Tuesday, June 29, 2010

Férias e um placebo

Ele nem gostava nada do Saramago, mas desde que o senhor falecera tudo na vida lhe parecia correr pelo pior. Tinha lido “A Jangada de Pedra” ainda novo, e gostara do conceito da separação da península do resto do continente. Recordava-se que o grupo perseguia pássaros pela meseta ibérica e que a páginas tantas já não podia mais com a descrição ornitológica. Ainda assim, fora capaz de terminar o livro. Alguns anos mais tarde, experimentara o “Memorial do Convento” mas aí, mais maduro, já utilizava a técnica de abandonar os romances que o não seduziam ao terço do volume. Sentia-se exausto de Lisboa onde o verão, de praia à séria, parecia não querer chegar. Ansiava por férias e um placebo. Mas tinha a agenda preenchida de trabalho por Julho dentro, e os níveis de confiança subitamente em baixo demais para a arte da sedução. Na realidade não queria nada um placebo, queria era amar a sério. Dava-se conta de que nas últimas saídas nocturnas bebia demais, e que passava os dias seguintes a ressacar sem qualidade de vida. Entendia agora o conceito de “mastigar” o, ou a, vodka que preferia diluído com dois terços de água tónica. Compreendia agora que a dificuldade de uma relação está na proporção certa do amar e do ser amado e que não faz sentido nenhum um sentir-se apaixonado, se o outro não está para aí virado, como quem não passa do terço do romance.


Sunday, June 27, 2010

oráculo

Sentei-me com ela na beira da piscina com os pés enfiados na água e o corpo protegido do sol pela sombra da casa branca. Discorri durante uns quarenta minutos sobre o que me está a acontecer. Ela escutou-me em silêncio, olhando-me com carinho e movendo lentamente as pernas para provocar remoinhos encantadores na água azul. Não me interrompeu uma única vez, nem quando eu balbuciei com os olhos molhados. Contei-lhe tudo o que considerei essencial para obter uma opinião. O meu estado de alma antes de te conhecer. Os actos únicos da peça de teatro. Os sentimentos diários nas tuas ausências. As mensagens. Os últimos fins-de-semana, enfatizando os pormenores relevantes. As nossas diferenças. Os silêncios que não consigo interpretar entre a incerteza e o desprezo. Quando terminei, ela sentiu-me mesmo triste e atirou-me água para me animar. Passou-me a mão pelo cabelo, puxando-o ao de leve como só ela o sabe fazer. Ambos sabemos que já me amou, mesmo a sério, e que eu não correspondi. Foi há tantos anos que dizer há mais de uma década me faz sentir antigo. Talvez por isso a decidi procurar. Não ficámos melhores amigos, mas ambos sabemos com o que podemos contar. Honestidade, sinceridade e cumplicidade quanto baste. Entretanto ela descobriu o mundo, fez o “move on” com toda a classe, cresceu, e podemos falar sobre quase tudo como se fôssemos íntimos. Disse-me que entendia bem porque me és tão especial. Desculpou-se com singeleza porque não te conhece e as gerações, ainda para mais no feminino, são bem diferentes. Mesmo assim, procurou palavras sábias e frontais e disse-me: “Ricardo, por muito que isso te seja estranho, não está nas tuas mãos. Ela decidirá o que vai querer, e tu só podes esperar pelo melhor”

Amor perfeito em 3 actos

Acto I
Ela (de cabelo solto enquanto fazemos amor) - Estou muito apaixonada por ti, Ricardo...


Acto II
O corpo perfeito dela completamente encaixado sobre o meu depois de fazermos amor...


Acto III
O abraço exclusivo e bem apertado dela à beira do chafariz... (para a alma recordar na eternidade)


3

Saturday, June 26, 2010

doutrina (*)

A característica que mais me arrelia na natureza humana é a falta de vontade, a falha do querer, a cobardia, a incapacidade de lutar, o “deixa lá ver se passo por entre a chuva”, o deixar-se encostar, a falta de energia para se correr pelo que se deseja. A vida, em sentido lato, é já demasiado imperfeita para se descortinar o que é mesmo importante para cada um, o que verdadeiramente se quer dela. Quando se tem a sorte de descobrir o objectivo, achar alguém absolutamente especial, sonhar ou imaginar algo de bom, há que ser determinado, convicto, ambicioso e ter a certeza de que o resultado está lá para nos fazer sentir bem. Como tudo o que faz realmente sentido, será difícil e complexo de alcançar, mas isso faz parte do desafio.


(*) desde que não interfira com a liberdade dos outros.

Wednesday, June 23, 2010

Primeiro amor

Primeiro amor. Quem os não teve? Lembrei-me hoje dele por causa deste aperto no coração com que acordei. Esta sensação insalubre de quem ama e não é correspondido. Esta motivação de me deixar entreter com tudo aquilo que me faça esquecer a dor no peito. Esta certeza parva de que a experiência só vai contribuir para enrijecer um coração já maduro. Esta noção nefasta de desperdiçar possibilidades. E isto dói, muito, como se ainda fosse um miúdo.

Monday, June 21, 2010

flares

É difícil imaginar uma coisa assim mas quando se sobrevoa a costa da Arábia Saudita durante a noite, sem nuvens, a imensidão de flares que se vêem parece quase infinita. E eu vou ali com os headphones a debitarem som para os meus ouvidos, hesitante entre a novidade do Sébastien Tellier, que profeticamente dá pelo nome de Sexuality, o “La Ritournelle” do mesmo mas já mais antiga, em repeat, e o canal 6 que passa o Alcorão cantado para muçulmano ouvir, atentamente, ou cristão se deixar encantar, a espreitar pela pequena janela do Airbus e a reflectir na imensidão dos campos de petróleo que nos alimentam o lifestyle moderno.


Oh nothing’s gonna change my love for you
I wanna spend my life with you
So we make love on the grass under the moon
No one can tell, damned if I do
Forever journeys on golden avenues
I drift in your eyes since I love you
I got that beat in my veins for only rule
Love is to share, mine is for you

La Ritournelle by Sébastien Tellier

Thursday, June 17, 2010

eu transparente

Naquela manhã, eu vi-te, pela primeira vez, com todo o teu glamour profissional, o cabelo bem escovado e a echarpe, que te faria companhia a muitos pés de altitude, já enrolada nesse teu pescoço absolutamente bonito. Se eu já estava apaixonado, naquele momento senti que te queria ainda mais e gravei o teu retrato no pensamento para recordar durante todos aqueles dias da tua ausência. E esta noite, à falta de inspiração, retomo o texto que deixei perdido, tão estranhamente perdido como tu me fazes sentir quando afinal estás apenas a ser natural, tu própria, e me deixas a hesitar entre a desordem das ideias difíceis de absorver mas que me fazem sentir simultaneamente enfeitiçado e tranquilo. Uma mistura deliciosa de sensações que me fazem apreciar este meu amor verdadeiro.

Wednesday, June 16, 2010

O vício

E hoje sou eu que chego a casa exausto mas com muita vontade de ti. Com muito desejo da tua meiguice e de voltar a adormecer com o teu cheiro nas minhas mãos...


Monday, June 14, 2010

à beira do chafariz

Foi um momento muito especial e muito nosso. Como tu me dizes, eu sou melhor com as palavras escritas e apetece-me registar aquela sensação muito especial. O graffiti meio apagado no chafariz iluminado gritava “Cláudia”. E eu, por um minuto, pus-me a pensar naquela alma apaixonada que um dia decidira empoleirar-se bem alto para gritar ao mundo o nome da amada, escrevendo-o em azul sobre a pedra branca. Dei então por mim a observar a multidão muito alegre a cantar ao som da música, gente bonita de Lisboa, e a ver-te aos pulos de contente, e a pensar para os meus botões como te assemelhas à perfeição, para mim. E então, tu vieste, aproximaste-te esplendorosa, e beijaste-me de forma deslumbrante, completando-me infinitamente o pensamento e abraçando-me com um aperto meigo que me diz muito mais do que qualquer palavra.

Wednesday, June 9, 2010

Chuva de Junho

Abro a torneira de água tépida e processo H2O por entre os dedos. Mergulho o rosto nas mãos cheias e arrebito as pestanas com as pontas dos dedos. Coloco um pouco de gel nas falanges e espalho-o pela pele húmida. É um gel de cheiro neutro que me faz lembrar uma mistura de aromas entre o sabão-macaco e o gin vertido sobre água tónica. Um bocadinho inebriante. Como por magia, o gel transforma-se em espuma e olho-me no espelho com o rosto coberto de branco. Adorno as patilhas com a lâmina, primeiro a esquerda depois a direita. Produzo movimentos rápidos ora de cima para baixo, ora de baixo para cima. Termino com mais água atirada para a cara e arrebito mais uma vez as pestanas. Volto a olhar-me no espelho mas desta vez vejo-me. Concluo que persisto no estado apaixonado.

Tuesday, June 8, 2010

Home is where the heart is… too many miles away

Já não me recordo há quantos anos não passava este dia em Lisboa. No ano passado estava em Boston. Há dois anos em Paris. Há três anos em Atenas. Há quatro anos em Oreposa. E logo este ano é que me havia de apetecer estar num outro lugar... many miles away... home is, definitively, where your heart is.


Monday, June 7, 2010

Awkward love ou a crise da meia-idade

Ele estava habituado a ser bem tratado. Nas palminhas, costumava pensar. Tinha uma certa dose de sucesso, especialmente entre as mulheres de vinte e alguns que se deixavam deslumbrar pelo charme. Ele encantava-as, quando era isso o que queria. Não pela aparência, não pelo embrulho. Mas se decidia meter conversa no seu estado espirituoso, era certo que ao fim de uns minutos, vá 1/2 hora, as coisas estariam encaminhadas para o que ele quisesse. Com o passar dos anos, foi percebendo que não queria muito, ou que o queria poucas vezes. Ficava-se pelo sabor do sucesso e, ocasionalmente, por uma ou outra relação infrutífera que depois trabalhava em sentido inverso, de forma a que o esquecessem sem mágoa. Ele gostava dessa sua capacidade, de fazer esquecer ou reduzir as relações passadas a recordações carinhosas. Chegava a considerar essa sua capacidade uma virtude. O seu dom. Gostava disso em si e aturava temporalmente as perseguições até alcançar o resultado pretendido.
Ah, mas ele não estava preparado para provar do seu próprio veneno. E descobriu-o quando se deixou encantar. Compreendeu então que afinal gostava pouco de montanhas-russas, porque se transformavam em circuitos fechados. E ele queria mais possibilidades. Caminhos de liberdade, sem destino. Então, encheu-se de coragem, ponderou o desconhecido e a viagem sem bússola. Sentiu-se um valente e deixou-se levar. Passou a amar.

Sunday, June 6, 2010

My Rijksmuseum’s t-shirt

Depois de Canal Street embrenhámo-nos no Soho. Final de tarde em New York. Chegamos a Tribeca e reencontramos o Michael Imperioli com a sua mulher, a filha pela mão e o filho às cavalitas, a passearem, alegres e contentes. Entramos numa loja fashion e uma cliente gaba-me a t-shirt, como se eu fosse um modelito e ela a quisesse comprar... it’s from Rijksmuseum, Amsterdam.


Gajo alheado em post fútil

Obrigado por hoje me terem explicado o significado do 2 coberto de “lantejoulas” que de há uns dias para cá me intrigava ali plantado no Saldanha – Sex and the City 2. Hummpf!

Thursday, June 3, 2010

Sweet May

Chego a casa cansado mas ainda sem sono. Ligo o iPod e sai-me expressamente Au Revoir Simone – “Through the Backyards of Our Neighbors”: Baby tell me please, Is this a dream, Spending the night with you, Beneath the cherry trees, Just make a wish and everything comes true… (esta sei que já a ouvi enquanto deixávamos os nossos corpos brincar um com o outro, e o CD a tocar na sala ao lado). Ponho-me a ler Maio no blog e constato que foi o mês recorde, 25 posts em apenas 31 dias – estado de alma: apaixonado. Produção literária não particularmente destacável, mas ainda assim muito cheia de significado. E dou por mim a pensar em ti, e sinto-me deliciado com o que Maio me (nos) deu, em crescendo...

Wednesday, June 2, 2010

non-mainstream

Tenho para mim que a maior parte dos que vivemos nesta época contemporânea não chegamos a dar-nos conta da maravilha dos tempos que correm. Findo o apogeu da globalização, é possível usufruir de quase tudo, em qualquer lugar. A sensação provocada pela liberdade do acesso a praticamente tudo o que faz o mundo é uma recompensa única para as aflições que nos traz o excesso de informação. Desde que se ganhe uma certa capacidade de abstracção, este início de século tem tudo de bom para se viver. O meu eu conservador mantém-se um profundo apreciador dos tempos do pós-modernismo, mas hoje dou por mim embevecido por tudo aquilo que a vida tem para dar. Viaja-se muito. Lê-se o que se quer. Descobrem-se novos ritmos e melodias. É possível ser-se original. Existem menos tabus. Observa-se tudo. Conhece-se o que se quer. Pouco se esconde. Há não muitos anos atrás, estávamos condenados ao “mainstream”. Toda a gente ia de férias para sul. Liam-se os clássicos. A música era imposta pela FM. Vestia-se o que estava na moda. A imprensa nacional ditava o pensamento. Existia censura a rodos, marcada pelo estado da civilização a que chegáramos. Hoje, vivemos como queremos e as escolhas são infinitas, desde que não se assuma o espírito da “carneirada”.


ps- dei por mim a concluir isto enquanto te “enchia” o .mp3 player de música indie, alternativa ou clássica não convencional, de que tenho a certeza que vais gostar!

Tuesday, June 1, 2010

A parvoeira dos trópicos

A geografia importa muito. Mesmo quando se vive na amenidade do clima mediterrânico, quando se acorda para os primeiros dias a 30º C já se sabe que o rectângulo à beira mar plantado vai ficar infestado de criaturinhas com pouco que fazer e com calor demais para ficarem quietas no seu canto. Subitamente, parece que meio-mundo fica afectado pela parvoeira dos trópicos e decide sair da casca. Depois de passarem o inverno quietinhos a carpirem as mágoas, sentem-se despertos pela temperatura e convertem-se em arrojados “stalkers” prontos a chatear o vizinho. Não tenho paciência para isto e acabei de ligar o modo censura no blog. Sorry!

As regras do jogo

Ela não conhecia as regras, as regras daquele jogo de palavras juntas em frases bonitas. Ela tinha passado incólume pela idade dos amores, provavelmente sempre convicta do seu namoro. Ela não tinha vivido e sofrido o amor do início da idade adulta ou o do final da adolescência. Ela não sabia que a um “gosto de ti” se responde com amor sincero mesmo de palavras feitas. E eu quis ensinar-lhe tudo o que tinha aprendido, muito devagarinho. Mas afinal quem me mostrava o caminho era ela, porque sabia agradar-me como ninguém...


How I tried to catch you while
You ran ahead of me, I lassoed Mars
To see if you were hiding there
But you'd already ran past Jupiter to Pluto's moon
And my rope won't reach that moon

This a state of electrical shock
You were so beautiful
I thought you'd last forever
But you came and you went
When the lights went out
You went like you came
In a lightning bolt

Why did you go like this?
I slam against the wall
It's crushing my skull
Why did you go like this?
I slam against the wall
Of permanence, permanence
Permanence

Why did you go like this?
I slam against the wall
It's crushing my skull
Why did you go like this?
I slam against the wall
Of permanence, permanence

And like a ghost
I'm spinning with you
In circles
The dance of Pluto's moon