Thursday, January 31, 2008

excertos #3

6
Le cinéma, c'est un stylo, du papier et des heures à observer le monde et les gens.
- Jacques Tati




Quinze de Abril era um dia bem marcado nas nossas agendas, físicas ou neuronais, e pelo qual penávamos durante um ano inteiro. Invariavelmente, era a mim que me tocava acordar mais cedo, ensonado, procurar o carro estacionado numa das ruas do bairro e dar início à procissão. Invariavelmente, começava por ir buscar Guilherme que nunca estava despachado às seis e meia da manhã, embora soubesse de antemão ser essa a espertina combinada, para depois recolhermos Tomás que encontrávamos sempre à porta do seu prédio já nervoso com a câmara de vídeo pendurada a tiracolo.
Condição sine qua non ou requisito número um de cada vez que trocava de automóvel: descapotável ou com tecto de abrir, de forma a não comprometer o esplendor da filmagem anual a quinze de Abril. O princípio de tudo, devidamente marcado em tempo e quilometragem, começava com a entrada em marcha lenta na rotunda do Marquês, com o Tomás de cabelos ao vento e o Guilherme atento aos pormenores no assento do passageiro. Foco essencial para o alto do Parque, seguido de descida em velocidade de cruzeiro pela Avenida, com pormenor particular dos edifícios à direita por entre as copas das árvores. São Jorge, Palácio, Edén, Estação e Rossio com primeiros movimentos da manhã. Subida lenta ao Chiado, esquerda para a Ivens, direita para pormenor do São Carlos já com a luz da manhã em bom ritmo, volta para baixo, esquerda para as Belas Artes, nova volta pelo Governo Civil e desta vez direita sucessivas, por entre a abertura dos cafés na Garrett, até ao Camões, giro ao largo, descida suave pelo Alecrim, bombeiros à direita, passo lento até ao Cais, apanhando o movimento matinal com entrada glorioso na Ribeira das Naus em direcção ao Terreiro. Seguia-se o percurso pela Madalena, Sé e Castelo, as vielas até São Vicente e a paragem momentânea na Graça. Depois Pena, Anjos, Penha e Deus, Avenidas em ritmo marcado pelo trânsito, Sete Rios, Campolide, Campo de Ourique e Prazeres, Alcântara, Santos e novamente Santa Catarina. Interrupção da película e em grande velocidade para Belém, onde se concluía a aventura em colóquio prévio ao repasto de peixe fresco com vista para o Tejo. Era assim, invariavelmente, a folga conservadora do quinze de Abril em que a tarde se passava por entre copos de cerveja fria já na sala do Tomás a visionar e comparar as mudanças factuais dos filmes dos anos anteriores, desde a arquitectura, ao pormenor das cores, às novas vestimentas e expressões diferentes das pessoas capturadas pelas lentes de ano para ano.
Diferentes também, os nossos estados de espírito que como sintoma do passar do tempo, naquele dia do ano pareciam mais aptos a absorver as imagens simultâneas do presente e dos passados.

Thursday, January 24, 2008

human junk


Leio num artigo interessante da Economist que existem mais de 12.000 objectos “visíveis” em órbita à volta da Terra. Cerca de 3.000 são satélites, activos e inactivos, mais ou menos 1 estação espacial e 1 telescópio orbital – o bom do Hubble.

De acordo com o artigo da Wiki dedicado ao tema, o space junk deixado em órbita desde o lançamento do Sputnik em 1953 – contas feitas, em apenas 54 aninhos – inclui uma luva perdida por um astronauta em 1965, uma câmara fotográfica deixada ao abandono em 1966 e múltiplos saquinhos de lixo produzido pelos ocupantes da Mir nos 15 anos em que a latinha de fabrico soviético se aguentou no espaço – pelo menos neste caso tiveram o cuidado de a fazer desintegrar-se cuidadosamente sobre o Pacífico Sul.

Concluindo os “factos interessantes” parece haver também pelo menos uma chave inglesa e uma escova de dentes à deriva, que qualquer um pode ver a passar muito rapidamente ao apontar um telescópio para o céu.

O resto... bom, o resto são fragmentos – que para serem considerados “visíveis” têm pelo menos o tamanho de uma bola de golfe – enviados lá para cima de cada vez que o Homem decidiu fazer uma visitinha ou colocar qualquer coisinha em órbita e que, de acordo com os especialistas na matéria, acabarão por vir a desfazer-se na atmosfera terrestre ao longo dos próximos 35 anos, podendo as respectivas partículas cair ao nosso lado quando vamos a passar na rua... eventually!