Friday, February 17, 2006

excertos #2

3
Qui si lavora, non si parla di politica
- barbieri italiano




Conheço o Tomás desde os nossos 5 anos. Nunca conheceu o pai que foi uma das poucas vítimas da guerra colonial em Moçambique e ficou órfão de mãe na altura em que se mudou para o bairro, para casa do tio Simão, na altura um proeminente advogado em Lisboa. Tornámo-nos compinchas durante a primeira semana de aulas da 2ª classe. A mãe do Tomás estava nessa altura internada no hospital e ele decidiu rogar uma praga à imagem de Nossa Senhora existente na igreja de São Sebastião, ameaçando destruí-la se a mãe não ficasse boa. Durante dois meses, a coisa arrastou-se: brincadeiras na rua de trás ao final da tarde, visitas à mãe nos sábados à tarde com o tio Simão e a esposa – um péssimo modelo de mãe, casada em segundas núpcias com o tio Simão e com assinatura na ópera do São Carlos. Até que numa quarta-feira, o Tomás não apareceu na escola e no dia seguinte os meus pais foram ao funeral da mãe dele. Nessa tarde, não tive que ir à escola e fiquei a fazer companhia ao Tomás que me obrigou a acompanhá-lo até à igreja de São Sebastião onde derrubou a imagem de Nossa Senhora.
Hoje o Tomás trabalha como assistente na pujante indústria cinematográfica, nacional encharcada de dinheiro à custa dos subsídios estatais e da necessidade absoluta de entreter as gentes. O Tomás é um verdadeiro especialista em cinema, que deve ter passado mais tempo em frente ao ecrã do que qualquer outra pessoa que eu conheça. É também uma verdadeira enciclopédia ambulante, capaz de identificar os actores, citar as expressões e descrever as cenas de todos os tipos de filmes, desde os premiados até às produções alternativas. Vive desafogadamente, em função da herança que o tio lhe deixou e desde que apareceram os DVD já deve ter mandado fazer umas dez estantes em mogno que ocupam todas as paredes, de alto a baixo, da divisão que antigamente servia de escritório ao tio Simão, substituindo os antigos livros de direito. Para além disso é um tipo peculiar, que apesar de poder comprar um Ferrari, se assim o desejasse, jamais pôs as mãos num volante, deslocando-se sempre de táxi enquanto está em Lisboa e de comboio para se deslocar a Paris. Nunca leu um livro, defendendo que todos os romances que valha a pena ler acabarão por passar ao cinema e no entanto é o leitor mais compulsivo de revistas e jornais que conheço, coleccionando de forma interminável os artigos de opinião que vai lendo, e desde que descobriu a Internet, montou uma base de dados destes, acessível a qualquer um e que por isso gasta uma fortuna na subscrição das versões electrónicas das mais variadas publicações: The Economist, The Spectator, The New Yorker, O Expresso, Le Nouvelle Observateur, Der Spiegel, etc.
O Tomás é também o maior aficionado de futebol que conheço. Aliás, não de futebol mas sim do Benfica. Não me recordo de alguma vez o ter visto a seguir um jogo que não envolvesse o Benfica, nem sequer os da selecção nacional. Em 1982, foi, juntamente com mais meia dúzia de meninos ricos, o grande dinamizador do “Exército Rubro”, uma claque que não durou mais de duas épocas porque não possuía qualquer tipo de ideologia, subsistindo à custa do fornecimento de entrada à borla aos membros da claque, mas que ainda assim ficou célebre pelos problemas causados durante uma tentativa de espera ao árbitro quando o Benfica defrontou o Anderlecht na final da Taça UEFA de 1982/1983.


Nota do autor:
Este era o capítulo 3 e como é fácil de entender o melodrama tinha pinta de best-seller. Estava sobretudo a precisar de uma bela revisão mas "em bruto" também vale a pena.

1 comment:

Anonymous said...

Eu ca diria que, quando teenager, leste Pedro Paixao em demasia e tas quase ao nivel do Tiago Rebelo (o autor do "es o meu segredo" com a Rute Madeira como estrelinha da companhia). e mais nao digo.... kus!