Friday, February 17, 2006

excertos

1
Até aos 20 anos eu não tinha preocupações, levava uma vida boémia, depois eu casei e tive que começar a trabalhar, e aí eu escolhi a arquitectura.
- Óscar Niemeyer




Sete décimos da vida...

- Um Martini Rosso, por favor! E tu Magda o que queres?
- Pode ser um capuccino, se faz favor.
- Cappucino não temos. Café com natas?
- Sim, pode ser. Numa chávena grande, se possível!?
- Concerteza!
Pois, aqui estou eu no Rabat – o café frequentado pelos actuais teenagers de Lisboa, os sucedâneos da geração rasca – a tentar a minha sorte com a enfermeirinha de serviço.
- Bom, onde é que eu ia? Ah, já sei. Eu andava mesmo cansada, trabalhar na urgência era um stress. Principalmente, quando entravam acidentados acompanhados de familiares aos gritos e o serviço já estava cheio de criancinhas e mães histéricas. Para cúmulo, ao fim de semana ainda fazia uma perninha numa casa de saúde para doentes mentais, mulheres deprimidas e ex-drogados em fase de readaptação. Mas fazia bom dinheiro, compensava o sacrifício.
- Agora que falas nisso, estava no outro dia a ver uma reportagem num qualquer telejornal em que diziam que o rácio de depressões em Portugal é muito superior à média europeia.
Esta estúpida mania de comparar tudo o que se passa no nosso país com os indicadores estatísticos da União Europeia, ainda há de nos fazer afundar no Atlântico! Acho que seria bem capaz de patrocinar um qualquer grupo terrorista, desde que prometessem acabar com o Eurostat.
- Pois é. Há mesmo muitos portugueses à beira do precipício.
- Eu não entendo é porquê!? Até parece que somos todos uns fracos. À primeira dificuldade, entramos logo em parafuso.
- Pois é, pois é!
- No fundo, acho que a causa tem bastante que ver com a desorganização das nossas vidas. Se as pessoas parassem para pensar um bocadinho, chegavam rapidamente à conclusão que existem coisas que podem ser mudadas e que provocariam uma volta de cento e oitenta graus nas suas vidas. O exemplo típico, tem a ver com o facto de a grande maioria das pessoas trabalharem em Lisboa e viverem nos seus arredores. Tudo bem, não há dinheiro e as casas são muito mais baratas em Sintra ou Alverca mas na verdade também não são capazes de fazer um par de continhas para chegarem à conclusão de que o que não pagam com o empréstimo ao banco, acabam por gastar em gasolina, portagens ou carro. E depois não há... prii, prii – tocou o telemóvel da Magda.
Ela atendeu, e eu fiquei para ali a pensar, que raio de conversa estava a ter. Tudo bem que dar uma de intelectual moderno torna qualquer homem atraente, mas gastar o meu latim com teorias acerca da vida quando uma fútil conversa de engate bastaria, é pura perda de tempo, para resultados equivalentes.
A conversa telefónica dela demorou – era com o irmão, um tipo sensaborão conhecera à umas semanas atrás, numa almoçarada de ensopado de borrego ao pé de Sines, e que vivia em Serpa, depois de ter decidido que a grande cidade não era para ele. Casado e pai de três filhos, de certa forma encantadores mais não fosse pela ruralidade evidente sob a forma de faces rosadas e aparentemente, pelo teor da conversa, em vias de atingir os índices de fertilidade comuns na África subsahariana. Pena é que não abunde em Portugal esta necessidade de alcançar os índices terceiro mundistas realmente importantes – pensei eu para os meus botões.
Quando ela finalmente desligou, decidiu pôr-me a par das novidades, resultantes da mais recente ecografia:
- Desta vez é uma menina e vai-se chamar Carla! – Carla, no meu estereotipado mundo dos rótulos, significa frasco sem conteúdo digno de referência mas possibilidade de vidro de qualidade e certeza absoluta de faces rosadas, i.e., encaixe perfeito entre a prole já existente.
- Que bom. Depois de três rapazes devia ser mesmo isso que desejavam.
- Sim, já basta de homens a atazanarem a minha cunhada.
- Pois! – respondi eu, em tom melancólico, para ver se não íamos desfazer o novelo deste assunto por muito mais tempo.
- Sabes que essa questão de ser menino ou menina tem muito a ver com as fases da lua. Parece que as probabilidades de sair rapaz são muito grandes em quarto crescente e menores em quarto minguante.
- Sim!?
- Foi o que li numa revista de medicina, lá no hospital.
Era a minha quarta ou quinta saída com a Magda e pela quarta ou quinta vez, dei comigo a pensar: o que é que eu estou aqui a fazer. Ela tinha um corpinho jeitoso e o culto do bronzeado. Conhecera-a uns dois meses antes no casamento de uma antiga namorada de liceu, que, preocupada com os meus devaneios, me tinha promovido junto de seis ou sete colegas, recém chegadas ao hospital e com tendência para procurarem o homem ideal entre a classe dos trintões. A Magda destacara-se da concorrência, em primeiro lugar, pela voluptuosidade do seu peito e também por ser capaz de dançar sem a necessidade de pôr os seus pés por debaixo dos meus. Também fora capaz de aceitar facilmente o meu estado de embriaguez sem ter a necessidade de afirmar em demasia a disponibilidade para tomar conta de mim – o que não acontecera com as demais, cujos conselhos derivavam desde a rodela de ananás até ao “vamos caminhar pelo jardim”. Como dizia alguém, num filme qualquer, os casamentos são o sítio perfeito para se encontrar parceira mas esta nunca poderá ser perfeita nem que seja pelo simples facto de se tratar da situação mais propícia ao encontro motivado pelo desespero.
Encurtei a conversa, bebendo o que restava do meu Martini, suficientemente depressa para não chegar à fase da cara de enjoada e não tão depressa que ela pudesse ficar a pensar que a estava a despachar.
Saímos do Rabat e acompanhei-a ao carro que estava estacionado num praceta próxima. Na despedida, ela demorou o tempo quanto baste para ver se daquela vez saia beijo e eu encurtei a situação com a desculpa de que já era tarde e de que tinha trabalho no dia seguinte. Enquanto conduzia para casa, recebi uma mensagem dela, no telemóvel, em que dizia estar arrependida de não me ter roubado um beijo. Não respondi e quando cheguei a casa ainda tive que dedicar uma boa meia hora à leitura do jornal do fim de semana passado, tendo reafirmado para mim próprio que não voltaria a combinar nada com a Magda, antes de apagar a luz.

No dia seguinte, logo pela manhãzinha passei pelo Timbuctu, o café mais castiço do bairro – e também o único café do bairro – na esperança de encontrar o Tomás, para lhe relatar mais uma magnífica noite de proezas sexuais e o obrigar a prometer que me humilharia publicamente se eu voltasse a sair com a Magda. Mas não o encontrei e apenas o Sr. Margarido (o dono do Timbuctu) me fez uma grande festa por ser a segunda vez naquela semana que por lá aparecia para tomar o pequeno-almoço.


Nota do autor:
À falta de inspiração, estava para aqui a vadiar entre a centena de ficheiros “New Book” que me entopem o PC e encontrei esta tentativa frustrada de plágio à Margarida Rebelo Pinto, datada dos idos de 2003, quando achava – ou pretendia provar a mim próprio – que seria capaz de fazer fortuna a escrever ficção de qualidade duvidosa. Evidentemente, desatei-me a rir (em particular, com o ridículo dos nomes dos personagens) e concluí que é bem mais divertido divagar de vez em quando no ripples.

1 comment:

Neurotica said...

Eu acho que devias continuar. Se venderes tanto como a MRP já não era nada mau :P