Tuesday, June 28, 2005

preacher’s son

Era uma daquelas noites de verão intenso em que o suor faz a camisa colar-se ao peito. Marcelino cantava agarrado ao microfone no único café-karaoke do Entroncamento, como se todo o sucesso da sua vida dependesse do acerto vocal naquela noite. Sentia-se meio Che Guevara, com a barba por fazer, e simultaneamente o melhor vendedor de automóveis usados do mundo com a gravata, bordeaux, semi-desapertada a querer alcançar o cinto de camurça entrelaçada que lhe segurava as calças do fato de linho azul. E num inglês polido debitava:

Billy-ray was a preacher’s son
And when his daddy would visit he’d come along
When they gathered round and started talkin’
That’s when billy would take me walkin’
A-through the back yard we’d go walkin’
Then he’d look into my eyes
Lord knows to my surprise

The only one who could ever reach me
Was the son of a preacher man
The only boy who could ever teach me
Was the son of a preacher man
Yes he was, he was, mmm, yes he was

Being good isn’t always easy
No matter how hard I try
When he started sweet-talkin’ to me
He’d come and tell me everything is all right
He’d kiss and tell me everything is all right
Can I get away again tonight?

O personagem encantava Constança, encostada ao balcão do bar com uma garrafa de super-bock green na mão e o pezinho a bater ao ritmo da música. Ao seu lado, Ezequiel e Raquel trocavam carícias mão na mão e mão no antebraço.

The only one who could ever reach me
Was the son of a preacher man
The only boy who could ever teach me
Was the son of a preacher man
Yes he was, he was, lord knows he was

How well I remember
The look that was in his eyes
Stealin’ kisses from me on the sly
Takin’ time to make time
Tellin’ me that he’s all mine
Learnin’ from each other’s knowing
Lookin’ to see how much we’ve grown

Constança esperava mais da vida. Deixar o ribatejo e ir viver para Lisboa. Largar o estereótipo de filha da cabeleireira local e embrenhar-se na cidade. Conhecer os bares da moda e cruzar-se com os famosos das novelas.

And the only one who could ever reach me
Was the son of a preacher man
The only boy who could ever teach me
Was the son of a preacher man
Yes he was, he was, oh, yes he was
He was the sweet-talking son of a preacher man
I guessed he was the son of a preacher man
Sweet-lovin’ son of a preacher man
Ahh, move me

Desde o liceu que fantasiava conhecer um médico ou um estudante de medicina, que tivesse um descapotável e uma casa no Algarve. Daqueles que conhecem os porteiros das discotecas e que sabia existirem para os lados de Cascais. Alguém que a arrancasse definitivamente do estatuto da classe-média semi-rural e que lhe permitisse os luxos das idas ao ginásio e ao solário em cada fim de tarde. E no entanto, ali estava ela compenetrada a despegar o autocolante da garrafa que segurava na mão, com as unhas bem pintadas, e a deixar-se fascinar pela voz rouca de Marcelino. Nunca o tinha visto antes e achava que ele tinha uma certa pinta. E então ele topou-a. Cruzaram os olhares e ela não se fez tímida. Ofereceu-lhe a expressão que treinara vezes sem conta de frente para o espelho e sentiu-se segura. Marcelino sorriu para ela enquanto deixava o estrado, passando o microfone ao cantante seguinte. Dirigiu-se para ela num passo firme e também cauteloso. Chegou-se bem perto e disse-lhe ao ouvido: tu és linda de morrer! E ela apaixonou-se.

2 comments:

Neurotica said...

LOL, não tá muito longe de uma que escrevi aqui há tempos...mas a minha era mais macabra :P

polegar said...

gosto desse amor suburbano! obrigada pela visita. aparece mais vezes! eu tb cá volto ;)