Wednesday, January 27, 2010

Playtime... (inscrito no moleskine durante um fastidioso Lisboa - São Paulo, há alguns anos atrás, sob o efeito séptico de três doses de mau whisky servido em saquinhos de polietileno)

Viagens de avião despertam sempre em mim o que me resta da pouca inocência de consultor mas também o fascínio que sempre exerceram sobre o meu espírito irrequieto os aeroportos, em particular, e o mundo da aviação em geral. Não no sentido do “voar” ou da sensação de liberdade que leva muitos miúdos a aspirarem a vida de piloto mas no sentido “arquitectónico” do tema, dos aeroportos, das companhias de aviação e do mundo do transporte aéreo constituir em si mesmo o paraíso do espírito obcecado pela arrumação do complexo.

(Em criança, eu colocava torrões de açúcar na varanda para capturar formigas e não descansei até possuir o meu formigueiro particular, inspirado por um personagem de uma série televisiva italiana que dava pelo nome de “La Piovra” – na versão Portuguesa, “O Polvo”)



É que o mundo de oportunidades que se abre a um espírito como o meu quando encontra um ambiente “Playtime à la Jacques Tati” como acontece em qualquer aeroporto com mais de 10 milhões de transeuntes por ano não é apenas fascinante mas também viciante.

(Há uns anos atrás de visita à livraria da faculdade de arquitectura de Roterdão, vi e perdi a oportunidade de adquirir o livro mais fascinante sobre o tema, inteiramente dedicado à arquitectura e organização dos aeroportos históricos do planeta, com direito a resenha histórica desde o fascinante Berlin Tempelhof dos anos 30, passando pelo Los Angeles LAX dos 80, ao moderníssimo Hong Kong International)



Porque para além de traduzir as mudanças provocadas pela massificação do transporte aéreo, a combinação de personalidades, vontades, exigências, motivações e opções presentes nas alminhas que passam por qualquer aeroporto internacional fazem destes o lugar perfeito para um consultor perspicaz.
(No meu caso, em modo viajante-solitário-intratável-e-no-mínimo-mal-disposto)

1) Porque é que, sem excepção, quem embarca num avião parece definitivamente mal-encarado.

2) Porque raio a fila dos passaportes “EU Citizens” é sempre mais longa e mais lenta do que a dos “Other Nationalities” (em Lisboa, entenda-se!).

3) Porque existem 10 portas para “passaportes electrónicos” – automáticas e sem fiscal de alfândega – e apenas 6 cabinas para “passaportes-não-electrónicos-mas-obrigatoriamente-OCR-porque-assim-até-te-deixam-entrar-nos-States-senão-necessitarias-de-visto” (em Lisboa, entenda-se!) – como se a adesão aos ditos fosse massiva e um país com altos índices de analfabetismo se auto-propusesse conseguir que os mesmos utilizem de forma eficaz (já sem dizer eficiente) as máquinas que obrigam a tirar o retrato e comparar com a fotografia do passaporte.

4) Porque a nossa transportadora aérea nacional (carinhosamente, TAP) não percebe que quando tenho o cuidado de pedir no tele-check-in um lugar na saída de emergência (porque apesar de tudo ainda sou mais jovem que a mediana dos passageiros e necessito de mais espaço para esticar os meus 1,88 m) considere apropriado instalar nas filas adjacentes toda a santa criança de berço ou de colo que insiste em desafiar a paciência dos meus tímpanos durante as malditas 8 horas de voo – como se os mesmos possuíssem a extrema autonomia de escaparem do avião em chamas caso me coubesse a mim, em acto voluntarioso, abrir a porta de emergência.

5) Porque a mesma TAP decide colocar nos ecrãs comuns do velhinho A340 um programa do Oliver, ainda jovem e entusiasta, a cozinhar galinha com um molinho de açafrão e tomate que até me cheira aqui, enquanto nos serve (a TAP) uma amostra de perna de perú “no forno” que sabe acima de tudo a glutamato de sódio com um pretensioso arroz árabe de passas raquíticas.



6) Ou, finalmente, porque mais uma vez a carinhosa TAP, não é capaz de entender que enfrento melhor estas viagens de 9 horas e 50 minutos (insistindo em frisar bem os 50 minutos através dos altifalantes, como se se tratasse de uma qualquer promoção a 9,99 euros mas sem perceber que o efeito é nefasto) devidamente embriagado entre copos de vinho branco e whisky do que sóbrio que nem uma madalena para que cumpram (mais uma vez, a TAP) a normativa comunitária xpto que restringe o consumo de bebidas alcoólicas a bordo mesmo em voos transatlânticos.

Enfim, em jeito de conclusão, voar já teve outro glamour e há de certeza demasiada gente “enlatada” a 22.000 pés pelos céus deste planeta fora, para a coisa apresentar outros fascínios além do conseguir “transportar formigas” através do ar.



2 comments:

Sophia said...

Acabei de escrever sobre a estupidez que certos comentários são mas não resisto em espetar aqui um simbolo que raramente coloco. Insisto;

:D

(Muito bom)

Jibóia Cega said...

A TAP dá-te um lugar de emergência quando fazes check-in telefónico??

Estãp um bocado desmazelados com a segurança...