Monday, January 31, 2011

music

E há esta música que foi a primeira do nosso concerto. Eu e tu descontraídos, tão encantados um com o outro. Oblívios a tudo o que nos rodeava. Absolutamente expectantes com o que o futuro, bom, nos reservava mas concentrados apenas no presente, de mãos dadas. Maravilhosos, eu e tu, miúda, muito tranquilos como só os amantes quando se começam a conhecer bem, alcançam. E eu, miúda, quando ouço esta música, desejo tanto que tivéssemos uma fotografia das nossas expressões apaixonadas, para hoje retomarmos o que é inexplicavelmente nosso. 

Don't tell me
It's another likely story
Could've pinned it on you from the start
Well I’m new here
Doesn't mean I have to answer
Silly questions or a shot in the dark

You know I’m a child
I keep this alive

It gets harder
I remember to remember
Waking up again all over again
If there's an echo
Repeat days I’d likely let go
And be the changes we are noticing

When we're running wild
We keep this alive

Still I wonder
Sights around us fade and underneath
The ground shakes, things fall apart
And no other than the voice of one another
Keeps us safely moving on in the dark

You know I’m a child
I keep this alive

Sunday, January 30, 2011

os meninos

No outro dia saí à rua, a seguir ao almoço, para fumar um cigarro junto às colunas, como nunca faço. E estava entretido a ver o meu próprio sorriso, narciso, reflectido nas portas de vidro do outro lado da rua, quando se aproxima um mendigo que quase sem voz me pergunta se lhe dava algo para ele comer. E eu penso para comigo que o mínimo que tenho são notas de 10 e digo-lhe que não. E observo-o pelo canto do olho a cirandar por ali e a receber mais “nãos” entre os fumadores habituais ou de ocasião. E passado um bocado, quando termino o meu cigarro, dou com ele a dialogar, já com a voz desperta, com o seu próprio reflexo numa outra porta de vidro, narciso: “… isto é só meninos, cheios de valores... Tivessem passado pelo mesmo que eu e logo viam…”. E lembrei-me da minha conversa fácil, de menino, de que não há crise nenhuma, e espetei-lhe com uma nota de 20 entre as mãos abertas em concha.

turbilhão

Tu sentes subitamente frio quando aterras na cidade e estão 6 graus.

Tu sentes-te triste quando a tua mãe te dá um abraço sentido para te informar que alguém partiu.

Tu sentes-te esquecido quando reencontras uma mulher que já tomaste como a miúda perfeita, há muitos anos atrás, e a confundes com a mãe dela.

Tu sentes-te revoltado quando observas os rostos dos que te são próximos marcados pelas lágrimas dos dias que passaram e não podes mais do que passar-lhes a mão pelos ombros caídos.

Tu sentes-te sem palavras quando o ouves a ler na missa com a voz trémula e sabes que para ele o ano que passou foi horribilis.

Tu sentes-te mal quando anuncias a novidade e uma amiga fica petrificada.

Tu sentes-te acordado quando sonhas com o jogo dos vossos corpos em movimentos feitos de uma intensidade perfeita.

Tu sentes-te impotente quando interpretam o teu sorriso quase sempre aberto como um efeito de deslumbramento.

Tu sentes-te confiante quando sabes que não tens a resposta mas que há sempre uma solução melhor.

a dupla dos verbos

Ele - Sabes, apetece-me ter uma relação “real” contigo.

Ela - Se pões as coisas assim, também quero querer isso...

Tuesday, January 25, 2011

Do amor e outros demónios

Não lhe chegava o desassossego do amor empolado pela distância, ainda tinha que despertar para uma insónia brutal a meio da noite.
Ligou a televisão e saiu-lhe o início de um bom filme que nunca tinha visto: “Before the devil knows you're dead” do Sidney Lumet.
Prendeu-o por mais de duas horas, à conta da história bem engendrada e do cliché da Marisa Tomei, mais uma diva de segurança para o que sabe bem.
Felizmente, amanhã é dia de aniversário do Tom Jobim, descobriu pelo Google.
Ah!, se eu pudesse te encontrar serena
Eu juro, pegaria sua mão pequena
E juntos vendo o mar
Dizendo aquilo tudo, quase sem falar

Monday, January 24, 2011

a trovoada

De cada vez que desaba a trovoada com raios de luz sobre os arranha-céus, que tem sido muitas vezes nestes dias, lembro-me de ti a dizeres que gostas muito disto.

Sunday, January 23, 2011

do Facebook e o outro

Entre as opções só considero duas: o filme do Facebook e o outro. Com a minha tendência, pretensiosa, para o intelectual escolho o outro. É um filme fácil, com o Michael Douglas. O Michael começa a parecer-me um melhor actor – mas eu já vou no 5º whisky e entretanto troquei o Dewars pelo Glenfiddich –, para além das oportunidades que teve de contracenar com actrizes boas. Também entram o puto do Facebook e o Danny DeVito – porque será que os baixinhos gordos são sempre bem-humorados? O filme tem alguns silêncios estranhos que me fazem duvidar sobre o bom funcionamento dos auscultadores, mas a “cenas tantas” sai esta barbaridade ao Michael: “No one over forty is thick-thin really, trust me” – não se podem dizer estas coisas quando se contracena com a Marie-Louise Parker e eu próprio conheço quem desafie o postulado. Mas o bom do Michael, que faz um bom papel, óbvio e escorreito para lá da crise da meia-idade, é a conclusão que oferece ao puto do Facebook, referindo-se às mulheres: “sometimes you get a good one, they’re rare...”. (creio que é nesta cena que nós os homens choramos, se quiserem experimentar, levem-nos a ver “Solitary Man” – o filme em si não é nada de especial mas vale a pena na mesma)

as garotas e os saltos altos

Incrível como todas as garotas daqui se esforçam por esticar o pernão à custa dos saltos altos. Nem assim te chegam aos calcanhares porque tu és muito à frente.

Friday, January 21, 2011

chocalhar

Apesar da tentativa de anestesia com bom whisky, passei a noite a chocalhar debaixo de uma tormenta que não me deixou pregar o olho mais de 30 minutos seguidos. Para ajudar, chegado ao destino, entre o cansaço e o inóspito do verão, caiu-me uma trovoada bestial em cima, que ainda não decifrei se também é emocional. Preciso de descansar mas esta gente ainda quer ir chocalhar.

Thursday, January 20, 2011

o nosso complicómetro

Para mim, o melhor de viajar é a visão alargada do mundo que me entra forçosamente pelos olhos adentro. Hoje de manhã, vinha pespegado à janela do A319 e quando passámos as nuvens, logo à saída de Lisboa, dei por mim bafejado pelo sol nascente e quente sobre o meu rosto. Só por isso e pelo contraste deslumbrante das nuvens escuras lá em baixo, tive logo meia dúzia de ideias brilhantes para coisas que quero fazer, negócios milionários e textos para escrever. Entre os negócios, lembrei-me que talvez seja viável proporcionar voltinhas de avião em formato solário nas temporadas de Inverno: os ciclos no hemisfério Norte ou Sul asseguram facturação todo o ano; voar está cada vez mais barato; e apenas seria necessário investir numa fuselagem em plexiglass, mais umas cadeiras de respaldo e nuns guarda-sóis listados. Brilhante, eu sei (mais uma ideia de borla para quem lê o blog).
Agora, estou aqui em modo solitário no “lounge” do “home hub” da “flagship”, à espera do transatlântico (com esta palavra imagino sempre um grande navio, pr’aí do tamanho do Titanic, a atracar, quando na realidade o que se vê daqui são aviões a levantar). Entalado entre o buffet onde pairam duas tortillas de espécies diferentes mas que sabem igualmente a “patatas” e uma escolha demasiado abundante de Riojas já abertos à espera que eu me sirva (quando eu queria que alguém me servisse). O espaço (grande) está pejado de israelitas (suspeitosamente existem dois voos para Tel Aviv com diferença de 70 min…) que parecem todos da Mossad (devem ser colegas…) a arranharem o hebreu, enquanto olham para mim como se fosse a ovelha negra (talvez por ser o único que me vou meter no transatlântico de fato).
Voltando às ideias (feito o tributo aos agentes aqui do lado, por serem inovadores como poucos povos), nós os portugueses parece que ligámos)em definitivo o complicómetro:
- Há uns dias atrás, foi a cena das vacinas dos viajantes que supostamente passaram a ser pagas (há uns locais em que ainda não, porque não foram capazes de interpretar correctamente as novas regras), excepção feita (no reino do complicómetro, esta expressão é chave) a quem viaja em trabalho humanitário ou ao abrigo do interesse nacional (como se prova isso, ninguém pensou).
- Uns meses antes, foi a história da cobrança das portagens “sem custos” que, lá para o Norte, parece que resultou na procura da A3, porque essa se cobra da forma tradicional e sem a confusão das excepções às excepções das complicações.
- Hoje, a novidade (leio na imprensa nacional) é que os “veículos mais poluentes vão ser proibidos de entrar na Baixa de Lisboa” e eu pergunto-me se alguém no país do complicómetro pensou como vai controlar isso e o que vão fazer com os Mercedes 180 D importados da Turquia.
E pensar que este povo, modesto mas iluminado já foi capaz de feitos tão simples quanto plantar um pinhal a pensar no futuro ou lançar-se mar adentro sem destino conhecido.
Nesta altura já vou no meu terceiro whisky, para ajudar à digestão das “patatas” e ainda me falta 1 hora para o embarque no transatlântico, mas pelo menos vou dormir que nem um bebé (dos tranquilos).

abraço sem profundidade

Combinámos encontro no estacionamento. À hora marcada telefonei-lhe e ela apareceu-me com dois sacos cheios de coisas minhas que foi acumulando: os livros de estudo para o gmat, uns quantos DVDs, mais alguns livros, um jogo de xadrez (bonito) que me ofereceu para as férias que fazíamos a dois, e o meu adaptador de tomadas internacionais, que era tudo o que eu lhe havia pedido. Dei-lhe um beijinho e pedi-lhe um abraço, que nos saiu sem profundidade. Começou a dizer "Ricardo, não te quero mal..." (e eu pensei: "right, porque havias de querer?"), ela ia continuar mas eu disse-lhe adeus. Enquanto nos afastávamos, concluí que não amei, a sério, muitas vezes.

Wednesday, January 19, 2011

as palavras com sentido ao acaso

Gosto muito disto. Descobri-o no outro dia e faz sentido. De estender a mão e abrir ao acaso um livro da prateleira – Brideshead Revisited (Evelyn Waugh), que era também aquela série muito adulta que me prendia à caixinha mágica, às terças-feiras (eu lembro-me), quando era miúdo:

This was the creature, neither child nor woman, that drove me through the dusk that spring evening, untroubled by love, taken aback by the power of her own beauty, hesitating on the cool edge of life; one who had suddenly found herself armed, unawares; the heroine of a fairy story turning over in her hands the magic ring; she had only to stroke it with her fingertips and whisper the charmed word, for the earth to open at her feet and belch forth her titanic servant, the fawning monster who would bring her whatever she asked, but bring it, perhaps, in unwelcome shape.
She had no interest in me that evening; the jinn rumbled below us uncalled; she lived apart in a little world, within a little world, the innermost of a system of concentric spheres, like the ivory balls laboriously carved in China; a little problem troubling her mind – little, as she saw it, in abstract terms and symbols. She was wondering, dispassionately and leagues distant from reality, whom she should love.

Muito bom. Muito “on the cool edge of life”.

cupcakes

Ele - Definitivamente, tu és o meu bombordo.

Ela - Mas tu não mo dizes…

Ele - É só isso que falta?

Ela - Olha!? Claro que não!

Tuesday, January 18, 2011

8 de Agosto

Por vezes lembro-me daquele dia de Agosto em que parti para férias. Saí depois de um almoço ligeiro, um ovo cozido com uma fatias de salmão fumado e folhas de alface que encontrei no frigorífico, já lavadas. Deitei uma pitada de pimenta por cima daquilo tudo, só porque me apetecia mas exagerei e quando atravessava a ponte sentia-me indisposto. Sobre o rio, reparei que o céu estava amarelo-castanho e começou mesmo a chover, chuva grossa daquela que tira a visibilidade a grande velocidade. Sentia-me pesaroso, creio até que a chuva me induzia lágrimas nos olhos e apetecia-me o 125 azul, mas aquela não era a ponte velha nem fazia sol e o que tocava no meu CD era “The xx” que na minha superstição diminuta eram as músicas do fim. Foi já depois de passar a portagem, deixando a auto-estrada para trás e enveredando para a Comporta, com o CD em repeat, que recebi a mensagem, bonita e simples, depois de meses passados em silêncio ou em frases contraditórias. Mas aquela tua mensagem, no meu BB, era firme e deixou-me seguro da certeza de quem sabe o que quer, de quem sabe que há uma espécie de amor que é mais do que real, que nos faz sentir para lá de vivos. E eu gosto mesmo de explorar as sensações que me deixam a flutuar quando olho para ti e que me fazem escrever estes textos quase sem nexo, porque tu me fazes sentir assim.
Abraço.

Monday, January 17, 2011

coreografias para um pinguim abismado

(para ver em full-screen, sem som)

short version: http://www.youtube.com/watch?v=dBd4sNHBnYc

longer version: http://www.youtube.com/watch?v=xYl4m0xFcCU

generation gap & lifetime differences

Aconteceu-me no outro dia. Estava com um amigo numa festa com bastante gente mais nova (Generation Y). Já íamos no terceiro copo de vinho branco, servido como aperitivo, e creio que entre as conversas e o olharmos em volta nos sentimos antigos, e nos ocorreu o mesmo pensamento: generation gap. Ele lembrou-se do conceito porque era o título do livro de inglês nos nossos tempos de liceu / colégio (orgulhosamente, Generation X), apesar de não termos sido colegas.
E hoje estava entre uma grupeta de amigos, metidos nas suas vidas de filhos, felicidade conjugal e divórcios também, e dei por mim a prolongar, em pensamento paralelo, uma conversa de ontem e a constatar as “lifetime differences”.
É engraçado como as diferenças de gerações e focos trazidos pela idade acrescenta diversidade às nossas vidas.
Eu gosto de diversidade, de pensamentos paralelos e de ideias simultâneas.

Sunday, January 16, 2011

o efeito (lamechas)

Ela não o sabia e ele tinha vontade de lho dizer abertamente:

- Sabes, quando te vejo contente, a dançar e a pular entre os teus amigos, apaixono-me por ti perdidamente.

Saturday, January 15, 2011

saber ganhar

Havia entre aqueles dois pormenores simplesmente deliciosos. Ela gostava das frases fortes com significado e sabia muitas de cor. Ele gostava de a ouvir dizê-las, fazendo destas pensamentos conjuntos. Ela gostava de o impressionar. Ele gostava da sensação da altivez dela, mesmo se isso o fazia sentir-se intimidado. Por vezes, parecia que faltava ali o ritmo que haviam conhecido antes. Ela pensava se ele teria perdido a capacidade de a seduzir e desejava o contrário. Ele sabia que não a queria magoar e ponderava as palavras que eram só para ela. Creio que se sentiam distantes e sem vontade de arriscar, mas o que sentiam era robusto. Um dia aninharam-se na chaise famosa, bem aconchegados um com o outro, e deixaram-se levar. Saíram a ganhar.

Friday, January 14, 2011

amor a saca-rolhas (post quase de gaja)

O título é altamente ostensivo mas esta história não tem nada a ver com a devassa que ocupa a blogosfera por estes dias. Posso parecer estranho mas eu não ocupo o neurónio com mortes que me são alheias nem com vidas que não me dizem nada. Passo. Tenho mais que fazer. Não sou mirone. Não abrando para ver o acidente que aconteceu na faixa ao lado. Desprezo, solenemente, os que o fazem. Entendo a minha educação como racional (e sim, esta é uma directa para um dos blogs ali ao lado, dos meus preferidos). Prefiro ocupar o espírito com selecção. Gosto de eleger (mas desta vez nem vou votar, é que nem sequer em branco). É que passo, mesmo. Passo de saber. Passo de ter que comentar. Passo a conversa. Prefiro concentrar. É que gosto mesmo desta palavra. Já escolhi o que quero. Sei perfeitamente o que quero. Mesmo sabendo que é uma escolha independente. Mesmo que seja a saca-rolhas. Mau gosto? Não. Convicção, que é o que se quer.


I was never too hysterical
I thought myself too smart
But I loved your music
Words right from the heart

Well, sometimes I changed them
Into what I want them to be
But you changed something
You changed me

Now I try to be just like you
Though I won't admit it
I've been digging my
Heels in the ground
But you, knocked me over, you did

Now I try to be just like you
Though I won't admit
Because I try to be me all the time
But you won me over, you did

So many voices all one of a kind
Make me feel unnecessary
But why leave the telling
Up to any one but me
I'll shout and I'll sing


Mmm...gumbo? - by Room Eleven (good music)

Thursday, January 13, 2011

do Sebastianismo

É daqueles ideais absolutamente fascinantes para as crianças que aprendem a história na escola. Não há cá herói de banda desenhada capaz de o suplantar. Aprende-se que virá numa manhã de nevoeiro denso como o algodão-doce. Sonha-se com o desembarque majestoso numa praia de areia molhada. Peripatético, porque atravessa o tempo com desdém. E a partir daí, espera-se pelo desejado. Estou certo que muitos Portugueses pensaram nele, nesta manhã – dia – de nevoeiro total em Lisboa. Pensaram que talvez, desta vez, surgisse o Rei para os salvar do absurdo em que viram transformadas as suas vidas ao longo dos últimos anos. E eu imagino-os a escrevinharem “Viva o Rei!” no boletim de voto. Mas afinal, é só o clima que está a mudar – e eu tive uns professores de História um bocadinho “fascizóides”.

Wednesday, January 12, 2011

almost Mad Men

Passei alguns dias a trabalhar numa proposta com alguma gente brilhante da melhor agência de publicidade do mundo. Foi giro. O mundo deles é giro. Diferente. Gosto disso.

Tuesday, January 11, 2011

romance

Tenho numa prateleira do meu quarto, um guerreiro de terracotta que me trouxeram há uns tempos de Xi’an. Reprodução fiel do exército a que pertenceu, guarda-me uns quantos Moleskine que fui inscrevendo ao longo da vida e faz companhia ao “A Montanha da Alma” (Gao Xingjian) que foi o único romance made in China que já me atrevi a ler. Recordo-me que é uma história de viagens. Abro-o ao acaso e sai-me um capítulo perfeito, adaptável, e decido adaptá-lo ou adoptá-lo:

“Encontraste-a junto ao hotel. Era uma expectativa difusa, uma esperança vaga, um encontro fortuito, inesperado. Ela aparece-te e tu não podes deixar de a olhar. Ela sobressai bastante do habitual: a sua silhueta, a sua atitude, o seu ar perdido. Olhas para ela e começam a rir os dois. Era este sorriso que esperavas.

- Entramos? Encontraste qualquer coisa para dizer. Começas a conduzi-la contornando as mesas. Escolhem umas poltronas cheias de espaço e ficam mal encostados.

Sentes um perfume subtil que trespassa todos os outros. Emana dos seus cabelos, emana dela.

[…]

- Sinto-me um pouco constipada

- Sentes-te mal?

- Não, já está melhor.

[…]”

E o diálogo discorre, praticamente perfeito, sem pressas e sem ansiedades de porvir. E tu sabes, pelo teu sorriso aberto, que já não pretendes esconder, que está ali, diante de ti, alguém que vais amar intensamente. Então descobres que o brilhante da felicidade não está no ser amado, isso já havias experimentado, mas sim no gostar de alguém assim. Então, não te interessa a história, não te importa o passado, sentes-te temperado, robusto e convicto de que é ela que queres.

“- Gostas disto?

- Sim.

- Não achas que é maravilhoso?

- Não sei, não posso dizer isso. Não mo perguntes.”

A magia dos bons romances é esta capacidade de se deixarem adaptar, adoptar, como se neles pudéssemos encaixar partes perfeitas da nossa vida, imaginadas e escritas por outros mas que têm tudo a ver com a nossa realidade.

Saturday, January 8, 2011

O velho do Restelo

O velho do Restelo nascido em Lisboa, no Restelo, ainda no tempo da 2ª República, partira para o Brasil na década de 50, numa embarcação cheia de gentes da província. Instalara-se primeiro no Rio onde não conseguira subsistir à custa de trabalho honesto, por isso mudara-se para uma praia no Pernambuco. Ali montara um boteco onde servira, anos a fio, caipirinhas muito açucaradas e coxinhas de frango fritas em óleo sujo. Por certo polígamo, desde o desembarque, vivia em pecado com duas mulatas sempre demasiado descobertas pelos bikinis de pano barato. Uma cortava as limas, a outra tratava dos fritos.
Um dia uma amiga minha pintou-nos, a lápis de cera, diante do boteco a beber caipirinha, a partir de uma fotografia (estive à procura da obra de arte oferecida mas não a encontro).
Por vezes pergunto-me o que será feito do velho do Restelo. Creio que se chamava Senhor António.

repreensíveis

Nós, os homens, conseguimos ser absolutamente repreensíveis. Há poucas coisas piores do que a conversa entre homens medianamente bebidos. Ali pelo segundo copo de uma bebida destilada é seguro que a coisa perdeu qualquer rumo e já não há porto seguro, em particular se for whisky – tenho uma amiga que há muito me avisou que o whisky é o néctar dos tristes. Eu nem queria sair, fi-lo por obrigação, para não me acusarem de faltar aos encontros marcados. Aceitei o segundo JM, demasiado envelhecido, demasiado doce e demasiado caro, apenas porque me sentia a ficar constipado e achei que ia ser bom remédio. E eu nem sou apreciador de whiskys. E foi quando o resto da companhia começou a perder o controlo sobre o neurónio, levando-os a enveredar pelo lado redutor da vida, que eu tive mesmo que sair à rua para fumar um cigarro. Quando regressei a coisa tinha degenerado de tal forma que me desculpei e apanhei um táxi para casa. Felizmente, perdurava-me na memória a sensação de ter acordado com o sol a entrar pelas frestas da persiana e com um sorriso rasgado. E hoje acordei ressacado mas não doente.

Thursday, January 6, 2011

mais quadros

É engraçado como com o passar dos anos se aprende a apreciar Rothko. Faz agora uns 10 anos, sentei-me na sala das quatro paredes forradas a Rothkos da recém-inaugurada Tate Modern e aquilo não me disse nada...
 
Uns anos mais tarde descobri que não gostava mesmo era do Mondrian...

E com a idade descobri mesmo do que gostava...

Wednesday, January 5, 2011

singularidades de um homem solteiro

Ao fim de uns anos e de acumularmos quatro dezenas de gravatas, adoptamos um sistema. Eu uso gravata todos os dias em que trabalho, não há cá “casual fridays” e não quero gastar o neurónio a lembrar-me das que usei nos dias anteriores. Para o evitar, inventa-se um sistema que, no meu caso, passa por pendurá-las em dois cabides, um para as que vão bem com camisas aos quadrados e outro para as lisas ou às riscas. O sistema serve para pô-las a rodar, garantindo que não se repetem. Também se põem os fatos a rodar, no roupeiro, mas isso é um outro sistema, que não resulta tão bem porque vão à lavandaria. O sistema das gravatas só resulta enquanto os cabides aguentam o peso acumulado. Este Natal recebi demasiadas gravatas – há lá presente mais fácil para tias e primas de um executivo – e um dos malditos cabines partiu-se, deixando-me as malditas gravatas espalhadas no chão. Saí apressado e quando regressei a casa encontrei as demasiadas gravatas perfeitamente organizadas por cores sobre a cama. Constatei que a mulher-a-dias não é daltónica mas estragou-me o sistema e eu estou a precisar de uns cabides de aço.

dicotomias (post blasé feito de clichés sem nexo, muito mau)

As dicotomias da minha vida não deixam de me surpreender. Ainda há pouco, enquanto acelerava pelos túneis apercebi-me da bifurcação mesmo antes de escolher a faixa direita. Vinha meio absorto num pensamento de "been there, done that", frase repetida na música, gira, a tocar na rádio que não conhecia. Porque há coisas na vida que não nos apetece repetir e outras que só nos apetece mesmo voltar a viver. Despertei e senti-me a abrir um sorriso.

Sunday, January 2, 2011

génios simbióticos

Os seres humanos possuem esta faculdade extraordinária de se juntarem para criarem obras maravilhosas – tributo a Giuseppe Tornatore e Ennio Morricone:

o final da época – post mundano

Finalmente chegou ao fim. Levo tantos dias seguidos de jantaradas e almoços prolongados, pratadas de carnes assadas com molhos variados e doçarias rebuscadas a passarem-me à frente dos olhos, que ainda sinto o peru do dia 25 atravessado no esófago. Hoje ao almoço quase vomitava, por isso meti-me no carro e furtei-me ao jantar. Não fora um intermezzo de sushi a meio da semana e acho que esta época rebentava mesmo a sério.

o difícil

Ele - Tu sabes, bem, que eu acredito.

Ela - Acreditas? Em quê?

Ele - Em nós.

Ela - Não sei como...

Ele - Eu sou de certezas. E sei que é difícil mas vais ter que investir. Isto não vai funcionar se for de um lado só. Começa por aceitar fitar-me nos olhos.

Saturday, January 1, 2011

Mad Men – shallow in Rome

Estava ali a ver o último episódio do Mad Men e saiu-me esta cena esplêndida, cheia de clichés  e passada em Roma:



quadros

Quando foram horas de me deitar fiquei uns instantes a rever a tua interpretação e o quadro da última manhã do ano – tu e a Minie com os olhares muito abertos, e as almofadas como pano de fundo. Não sou nada de obsessões e há até quem diga que me fazem falta as paixões mas eu sei exactamente do que gosto. E é uma pena que nem sempre me consigam interpretar.
Para fechar a noite, liguei o portátil e encontrei o blog de que me falaste, passei várias páginas e fiquei a rir-me com a inocência do modo reportagem. Fiquei também a especular sobre como vou fazer para pintar o quadro do futuro.

The skyline (fotografia tirada do terraço do Metropolitan)