Thursday, December 30, 2010

às décadas

E ontem à noite faziam-se balanços, de forma diferente, às décadas em vez de aos anos que é a forma própria dos amigos que já se sentem suficientemente antigos para assinalarem os marcos em períodos de dez anos. Sem surpresas, o consenso elegeu a dos 80s como a melhor, nostalgia marcada pelos factos partilhados mesmo para os que ainda não nos conhecíamos, porque naquela época quase tudo era comum, independentemente da geografia ou do estado de espírito individual. É talvez por isso que a música dos 80s marcou toda a gente, como um denominador.
Para mim, os 90s foram confusos e os 2000s prometedores, até chegar 2010, uma caixinha de surpresas que desejo boas, para mim e para toda a gente, mesmo se não sou de ligar a esta coisa das voltinhas ao Sol.

Monday, December 27, 2010

vida assim descontraída

Há uns quantos anos atrás, numa noite de demasiadas caipirinhas, conheci este par de amigos que poderiam também ser um casal – não cheguei a confirmá-lo. Creio que ela era Argentina de raízes alemãs, ele Brasileiro de ascendência portuguesa. Ela já nos cinquenta, ele nos quarenta e qualquer coisa. Ela tinha um restaurante que servia comida tailandesa – muito boa –, ele explorava um bar com o nome diminutivo do Guevara, repleto de ícones revolucionários. Ela olhava-o com um misto de carinho e desejo – por isso digo que poderiam ser um casal –, ele recitava poesia, cuidando de traduzir as palavras mais estranhas em castelhano para que ela percebesse. Ela vigiava o serviço, pelo canto do olho, ele fumava cigarrilhas. Eles jantavam juntos, pelo menos uma vez por semana, no restaurante dela, e foi por estar na mesa ao lado que os conheci. Eles vieram sentar-se connosco e por entre as caipirinhas fabulosas contaram-nos as suas histórias complexas, de que já não me recordo bem. Lembro-me sim que, por entre o torpor da cachaça, desejei chegar aquelas idades e levar uma vida assim descontraída, feita.

Sunday, December 26, 2010

os dias assim

Regressam estes dias chochos, frios e tranquilos, para ficarmos horas a fio a fazer ronha e a conversar, por entre as carícias e o satisfazer do desejo que sentimos um pelo outro. Na penumbra, eu a olhar-te os olhos e tu a tentares acordar, um bocadinho estremunhada mas feliz. Alguém, sublime, criou os dias assim, imperfeitos no tempo, com as nuvens lá fora, mas perfeitos na temperatura, fria, para procurarmos o corpo um do outro, devagar, e o aconchego da pele sentida. Adoro o sentir da tua pele, já te tinha dito? Foi talvez isto, entre muitas outras coisas que tenho para te contar, que me fez persistir até aqui e daqui para a frente. E o teu cheiro bom, ninguém cheira assim, divino, disse-to no outro dia e estava a ser espontâneo. Ronha, ronha e mais ronha, beijos amiúde e as mãos em movimentos ternos. E eu saía pelo meio da manhã só para comprar os éclairs fresquinhos de que tu gostas e que eu nunca tinha experimentado até te conhecer, nesta história que nunca imaginei possível. Sonho contigo assim, apeteces-me, e é real.

Saturday, December 25, 2010

o meu tio (-avô) Quim

Num dos Natais, dessa vez passado na casa senhorial dos meus bisavós, na aldeia, que um dia fora vila, com toda a família maior reunida, o meu tio (-avô) Quim que era um grande advogado no Porto, muito viajado, e que associo ao Monsieur Hulot porque era igualmente excêntrico, mascarou-se de Pai Natal, como parece que era tradição nos tempos de menina da minha mãe, distribuindo os presentes também junto à lareira e fazendo as delícias de mais de uma vintena de crianças que éramos. Apesar de, posteriormente, eu lhe ter descoberto o fato-máscara debaixo da cama, aquele foi o meu melhor Natal de sempre.

em modo Natal-nostálgico

Até aos meus 15 anos todos os Natais de que me recordo foram passados em Trás-os-Montes. Quando chegávamos, a minha avó recebia o neto vindo da cidade com uns bolinhos de coco, muito especiais, que eu adorava – desde que se acabaram, acho que não sou muito de coco. O jantar, em que apesar do bacalhau assado nas brasas, era o polvo cozido e em filetes que reinava, era servido na imponente sala de jantar que por se situar justamente no meio da grande casa tinha por soalho tábuas de madeira maciça que rangiam com os passos dos adultos mas, irritantemente, não com os meus. Em volta da mesa existiam uns louceiros magníficos com superfícies de pedra que ficavam repletos dos doces de Natal: lampreia de ovos, filhoses de vários tipos, aletrias de massa fina e grossa, arroz-doce, sonhos, rabanadas, torta de marmelo doce e uma travessa dos ditos bolinhos de coco, que eram a única coisa de que eu realmente gostava. O meu avô imponente sentava-se à cabeceira e fazia-me sentar ao seu lado, olhando-me com ar circunspecto quando eu afastava a couve-flor para a borda do prato. Aquela sala de jantar era decorada com naturezas-mortas dos artistas experimentais da família que me tiravam o sono. Os presentes abriam-se no regresso da missa do galo, junto à lareira na cozinha, connosco miúdos aos pulos em cima do escano.

E ainda há quem não acredite no gordo sorridente das barbas brancas!?

Ontem, um dos meus “sobrinhos emprestados” dizia que não sabia se podia acreditar no Pai Natal porque não estava “cientificamente provado”– esperto o miúdo… deve estar na idade dos “porquês” mas como pertence à geração do virtual, a quem tudo entra pelos olhos em ecrãs de plasma ou em 3D, precisa da “prova científica”.

A parte má de ter passado o Natal em Lisboa é que cá em casa não há lareira. Apesar do frio, fiquei a ver um filme italiano e deitei-me tarde. Pouco depois, ouvi um barulho e fiquei a pensar se o gordo sorridente das barbas brancas teria encontrado remédio e descido pela chaminé do fogão. Confirmei-o hoje de manhã: “cientificamente provado”!

Thursday, December 23, 2010

o “puxe” e o “push”

Mesmo os portugueses inteligentes têm esta tendência infantil para confundirem o “puxe” e o “push” quando encontram uma porta, uma saída.
Não gosto de ser empurrado ou de me sentir encostado contra a parede e já há muito aprendi que as portas que necessitam de informação abrem para fora, pelo menos no mundo civilizado.
Sou avesso a processos de “convencimento” porque quando alguém necessita de ser convencido é porque não sabe o que quer da vida, e eu não sou nada assim.
Prefiro o “pull”. Gosto que puxem por mim. Aí sim, perante um desafio sou capaz de me deixar convencer.
E tenho esta tese facilmente demonstrável de que se aprende melhor pela positiva, com os bons exemplos, do que pela negativa, porque esta obriga a compreender o que está mal e a imaginar a forma correcta de proceder, e nem sempre se acerta. Isto aplica-se na “gestão de pessoas” da mesma forma que a “Thumper´s rule”: “If you can´t say something nice, don´t say nothing at all”. E saí porta fora, fazendo o esforço de não me mostrar insensível e desejando-lhe um “Bom Natal”, apenas e só pelo respeito que a idade do senhor merece.

Envolver

E hoje fiz a experiência ao contrário e sonhei com esta palavra. Envolver traz a sensação daqueles abraços muito sinceros em que se vai apertando lentamente e cada vez mais, e que são progressivamente melhores. Envolver é sermos como o calor que sai da lareira feita de brasas com laivos perfeitos do ardor das chamas. Envolver é abrangente e comprometedor, implica partilhar proximidade e reduzir os tempos de afastamento. Envolver significa sair da zona de conforto e assumir a responsabilidade de quem estima de forma única, de quem assume que vai cuidar bem, sem vacilar, divagar ou divergir. Devo estar a ficar mesmo crescido e apetece-me envolver-te. E é bom.

Wednesday, December 22, 2010

o ego

E hoje a meio da manhã, apanhei-o com o sorriso tórrido. Já o tinha visto a ameaçar isso mesmo, ainda bem cedo (pelo horário dele…), enquanto conduzia pela lateral da avenida, a olhar-se no espelho retrovisor e a sorrir para si próprio (o vaidoso…), enquanto escrevia qualquer coisa no Blackberry que não consegui entender e que não se preocupou em contar-me. Percebi logo que vinha ali confusão (outra vez…). Este miúdo parece gostar mesmo do efeito deslumbrado. Lança os foguetes todos, porque lhe apetece, porque o sente assim, e deixa-me a apanhar as canas. E depois, ao início da noite, saiu debaixo da chuva intensa, estranhamente divertido para despachar mais uns presentes antes de um jantar e percebi que não era exactamente isso que lhe apetecia fazer. Está outra vez cheio das certezas que procura, como o ar para respirar, e eu tenho que o aturar… o que me havia de calhar, para ser o ego.

Tuesday, December 21, 2010

simples

E foi assim que o lírico confirmou o que já sabia, bem demais e há muito tempo: gosta do complexo, intensamente, simples e sem açúcar.

Sunday, December 19, 2010

o “are we there yet?”

E como se fosse um vírus, instala-se o nervoso miudinho no miúdo. Começam a chegar os amigos do estrangeiro que, naturalmente, querem a “Christmas season” desafogada e em ritmo lento, quando o que eu quero são os novos episódios da minha vida, depressa e perfeitos. Querem novidades das boas que eu não tenho para contar e, eventualmente, as outras que ainda não posso. Querem jantarinhos e cafezinhos quando eu não quero comprometer a agenda. Enfim, querem a atenção que lhes é devida quando eu continuo no mundo da lua. Acabamos por partilhar umas garrafas de Luís Pato, que é um excelente vinho para partilhar, mesmo que eu esteja distraído.

Saturday, December 18, 2010

dogmas

Para mim existem momentos e instantes numa relação a dois que são como dogmas porque não se questionam de tão perfeitos que são:

- A tranquilidade da ronha ao acordar, com pequenas carícias e algumas palavras doces, suavemente pronunciadas. Os corpos sem formigueiros. As vidas vividas, sem pressas.

- f. (i.e., a fashion tv) o tal canal que pode ser visto a dois, sem desconfianças porque o que passa diante dos olhos são modelitos feitos para impressionar mas sem a capacidade de conquistar.

- O “hoje escolhes tu!” (o que vamos fazer, onde vamos jantar, o filme que vamos ver, …), porque o que te estão a dizer é “confio plenamente em ti”, “surpreende-me com algo teu”, “encanta-me, porque eu sei que vou gostar”.

- Mãos dadas numa esplanada, mãos dadas a caminhar, mãos dadas ao chegar à praia, mãos dadas ao deixar a praia – porque não há melhor forma de expressar “gosto de ti” (talvez só a conjugação de um certo olhar com um certo sorriso, ou um abraço daqueles).

- Silêncios cúmplices, daqueles em que não importa nada o que não estamos a dizer um ao outro, porque na realidade estamos a partilhar.

- Ler um romance a dois, aguardar que o outro termine a página para a virar, porque estão ali duas mentes, muito próximas, a imaginarem o que as palavras transmitem em frases bem alinhavadas.

Thursday, December 16, 2010

Eu e o Peter Principle

“In a hierarchy, every employee tends to rise to his level of incompetence”

Há alguns anos atrás, no tempo em que eu ainda aprendia conceitos novos, ensinaram-me o Peter Principle. Por ser facilmente observável e porque a minha profissão é marcadamente meritocrática ainda que pouco hierárquica, faço muitas vezes o exercício de me colocar a questão sobre mim próprio para verificar se já cheguei à minha “assimptota de incompetência”. Das últimas vezes, parece-me que sim. Fiz uma carreira rápida e estou no top200 de uma companhia de quase 10 mil pessoas, mesmo que ainda não tenha chegado ao topo do que posso ambicionar. Nestes momentos de reflexão, arranjo desculpas (e eu nem sou nada de procurar desculpas, para mim próprio): a falta de brilhantismo dos que me rodeiam, a conjuntura, a falta de estímulo ou o desequilíbrio que consegui alcançar entre o lado profissional e o lado pessoal da minha vida.
Curiosamente, ao contrário do que esperava, apesar da dúvida plantada e da indecisão de quem me ocupa o “outro lado” estes dias têm passado tão rapidamente, entretidos entre trabalho e jantares de Natal, que este ano parecem mais que muitos, que um destes dias quando acordar tudo estará consumado. Logo a mim que quero sempre controlar o destino.


Monday, December 13, 2010

-mente

Preparo uma escala composta de significados positivos: ocasionalmente, praticamente, precisamente, frequentemente, invariavelmente, obrigatoriamente, consistentemente, definitivamente, plenamente, infinitamente.
Mentalmente, começo a preenchê-la com tudo o que tenho como importante para mim: pessoas, sentimentos, sensações, locais e alguns objectos materiais.
Quero ser capaz de fundamentar decisões mas não é um exercício fácil, numa escala qualitativa e assim apertada. Insisto no método, como quem não descura um bom desafio. Quando chego ao fim, ao resultado final, constato que sim, é possível. Traço uma linha vertical e o mais importante está mesmo do lado direito da régua. Fico feliz por ser capaz de distinguir. Sei exactamente o que quero e o que me falta.
Pai Natal…


a dúvida absoluta

Sim, é mesmo assim, uma dúvida absoluta. Neste momento (único) em que me ponho a ler-te (com saudade), fixo-me nas palavras. Sim, seria capaz de me (voltar a) apaixonar. Sim, vejo-te (revejo-te) o rosto bonito marcado na (minha) memória, como se fosse (quase) uma fotografia. O sorriso singular (mesmo único) que me ofereceste sem hesitação. Sim, gosto (intensamente) do que escreves, da forma como escreves (dos sinais que parecem nossos). Sim, lembro-me da gargalhada que (uma e outra vez) me despertou os sentidos. Sinto na pele o ar àquela temperatura (de estação intermédia) em que te encontrei e tu a mim, perdido mas pronto a encontrar-me (mais uma vez) na confusão (turbilhão) das sensações de que (ainda) gosto mesmo. Sim, seria definitivamente capaz de me apaixonar (outra vez). Sim, por ti, que me deixas suspenso nesta dúvida absoluta (irrazoável). Sim, a mim que sei bem a resposta para a tua interrogação: Não (com infinita certeza).

Sunday, December 12, 2010

terçolho (ou treçolho, já não sei)

E hoje acordei com uma grande dor de cabeça e um terçolho plantado no olho direito. Não vislumbro nada e isso faz-me sentir inconsistente.

a temporada

E (re)começa a temporada dos jantares de Natal, este ano inaugurada pelo dos amigos mais velhos (antigos). Um clássico de espírito positivo, sem a fantasia bacoca da troca de presentes e com muitas reminiscências divertidas da infância e da pré-adolescência. Estes são do melhor que há, sempre afoitos para os copos, mesmo antes do jantar, as trocas de galhardetes repetidos mas ainda assim divertidos. O carinho de sabermos como estamos, uns e outros, mesmo entre os que estivemos juntos há poucos meses. A dimensão despreocupada de quem sabe que estaremos sempre presentes uns para os outros mesmo quando estivermos velhinhos, porque vem sendo assim ao longo dos anos – e há lá melhor presente. E acabamos quase todos no Lux, armados em neo-clássicos, a dançar os sons demasiado batidos do Rui Vargas e perdidos em conversas descontraídas e sinceras na varanda. Muito bom.

Friday, December 10, 2010

insónia

A minha vida não projectada é ela e a inquietação de saber que está bem. O desejo de que esteja mesmo bem, feliz. A vontade de que consiga estar melhor do que eu. A ansiedade de a sentir acarinhada como eu a faria sentir-se. E eu a sentir-me muito cansado mas sem conseguir pregar o olho.

Thursday, December 9, 2010

do blog e do cipreste

Este blog não é muito dado à introspecção (do blog) mas faz agora um ano que mudou de nome e ganhou balanço. E que balanço. Aquele dia em que nos deixaste ameaçava chuva em Lisboa e à noite quando cheguei a casa, vindo do teu velório, já chovia muito a sério. Eu sentia uma necessidade imensa de deitar cá bem para fora tudo o que sentia e um ano volvido parece-me que ainda não parei de o fazer. Perdido no meio destas páginas há um texto que te é inteiramente dedicado, escrito na modernidade do Blackberry, numa praia, ao final da tarde, por entre as lágrimas que não saciavam a minha vontade de chorar as saudades que sentia de ti. Uns dias depois desloquei-me a um viveiro e comprei um cipreste mediterrânico, importado da Toscânia, que plantei num sítio que era nosso. Fui vê-lo há algum tempo, cresceu forte e verde e já tem mais altura do que eu. Vejo-o como se fosse uma antena para comunicar contigo, e tu sabes que eu nem acredito nestas coisas, dos crentes, do Céu e da Terra, porque em algum momento falámos sobre isto. Graças a ti eu já plantei uma árvore e praticamente escrevi um livro, falta-me o que falta, que gostaria que tivesse uma referência para a vida como tu foste para mim.

Wednesday, December 8, 2010

manhã de feriado

Aprendi esta receita no verão e quis aproveitar o estranho dia que julgava quente. Saí para correr quando ainda não chovia. Desta vez, escolhi a parte antiga da cidade – não é o ideal porque os passeios são estreitos e propícios a entorses. Ainda assim valeu a pena. Lisboa consegue ser encantadora numa manhã de feriado – eu, dorminhoco, gosto de dormir até tarde e não estou habituado a vê-la assim. Nestas manhãs é também uma cidade de encontros com quem cá vive. Encontrei um amigo entretido com as filhas numa esplanada – quem tem crianças obriga-se a aproveitar as manhãs – e uma amiga às compras para o Natal. Foi refrescante e até me esqueci que não tinha levado o iPod ou como não é fácil conduzir no regresso, molhado, com os vidros muito embaciados por dentro.

significados

Faço o esforço de tentar recordar um outro dia em que me senti assim, triste. Houve pelo menos um, recordo-me, e foi bem pior. Sobrevivi ao dito. Vou sobreviver a este. Há uns dias atrás estava aconchegado nos braços de uma miúda que gosta de mim, a dormitar. Não me sentia feliz e eu até gosto de dormitar. Gosto, principalmente, de explorar as sensações que sinto como minhas. Creio que são os momentos em que nos sentimos extremamente tristes ou felizes que nos fazem sentir realmente vivos. Os outros, intermédios, são apenas instantes do percurso que temos como nosso e andamos fartos de percursos, queremos fins, objectivos, significados. Eu gosto de significados.

bored to death, sad as a owl, insofismável

Sempre achei o mocho o bicho mais triste à face da Terra. Esta noite, a sentir-me triste como um mocho, recusei o convite para o programa alternativo embora estivesse mesmo a precisar de uma noite de copos entre amigos. Em boa hora, porque com o tempo que faz lá fora, mais vale insistir no romance que deixei parado desde o verão:

Há três anos, quando comecei a ganhar dinheiro a sério em vez de toda aquela merda que tinha estado a ganhar até então, o meu pai meteu-se em sarilhos nas mesas de jogo e nas apostas…
Sabem o que aquele sacana fez? Passou-me uma factura com todas as despesas que tinha feito com a minha educação.
É verdade: mandou-ma à cobrança. E a minha infância nem sequer tinha sido dispendiosa, porque sete anos, tinha-os passado eu com a irmã da minha mãe nos Estados Unidos.
Ainda tenho esse documento para aí guardado. Seis páginas A4 escritas à máquina com um só dedo. Por 30 pares de sapatos (aprox.), tanto. Por quatro estadas em Nailsea, tanto. Por despesas de gasolina com as mesmas, tanto. Cobrava-me tudo, mesadas, gelados, cortes-de-cabelo, tudo. E juntou uma nota, explicando num grosseiro tom de manga-de-alpaca, que aquilo era apenas uma estimativa, e que eu não precisava de o reembolsar até ao último tostão. A inflação fora tida em conta. Em suma, eu custara-lhe dezanove mil libras.
Fosse como fosse, ambos tivemos uma reacção visceral. Quando recebi a carta do meu pai, apanhei uma piela e mandei-lhe um cheque de vinte mil.
Quando recebeu o meu cheque, o meu pai apanhou uma piela e apostou o dinheiro todo num cavalo que ia correr no Cheltenham Colden Shield, um bicho que se chamava, sei lá… Dickshead, ou sei lá o quê.
O cavalo era jovem de mais para uma prova daquelas e não estava em grande forma, mas o meu pai tivera uma informação confidencial de uma fonte segura. Cem para oito pareceu-lhe bom. Fez a aposta por um intermediário. Dez minutos depois, o meu pai entrou em pânico e tentou cancelar a aposta. Mas o agente já tinha contratado o pessoal de mão, e a aposta teve de se manter.
Agarrado à garrafa de whisky, o meu pai ouviu o relato da corrida pela rádio. Como era de esperar, o Dickshead saiu a andar com cada pata para seu lado, a relinchar, tentando livrar-se das palas e do cavaleiro. Quando este, por fim, conseguiu dominá-lo o Dickshead começou a galopar atrás dos seus companheiros de corrida que já desapareciam ao longe. O locutor referiu-se uma ou outra vez a este cavalo, mas sempre no gozo, até que o meu pai esborrachou a telefonia, acabou o whisky e teve uma hemorragia nasal que lhe ia custando a vida.
Posteriormente, o meu pai comprou uma vídeo-cassete da corrida, e ainda hoje se baba todo quando a vê. Não só ganhou o Dickshead, como foi quase o único sobrevivente. No penúltimo salto, houve um daqueles amontoados terríveis que envolveu quase todos os competidores. O Dickshead passou por cima daquilo tudo aos tropeções e adiantou-se aos seus adversários, restando-lhe apenas um obstáculo para vencer.
O cavalo solitário prosseguia o seu caminho, sem pressas. Nem sequer chegou a saltar o último obstáculo. Praticamente, comeu-o, continuando assim sem esforço. Por fim quando à sua frente já não tinha mais que um pequeno relvado a uns dez metros da meta, o Dickshead tropeçou e caiu. O jockey, que, nesta altura, já via o triunfo ao seu alcance, tentou montar de novo. O mesmo aconteceu a alguns dos seus adversários, que haviam caído mais atrás. Ao cabo de dez minutos – já diversos cavalos sem cavaleiro tinham cortado a meta, e um outro competidor conseguira saltar o último obstáculo e parecia que iria ser o vencedor – o cavaleiro conseguiu dominar o Dickshead, convencendo-o a deixar de andar às voltas, e passou a linha de chegada à rasca, ganhando por meio comprimento.


Conclusão: Martin Amis, brilhante e com atenção aos pormenores, e eu a gastar o neurónio com literatura boa que até parece de cordel…

Tuesday, December 7, 2010

NYC & Lisboa – não geminar

Das poucas coisas que eu não gosto na Big Apple é da sensação latente de insegurança provocada pelos carros dos bombeiros em “fire drills” permanentes. Ainda assim é algo que se aceita numa metrópole exposta ao risco dos edifícios altos mas que não se entende numa cidade como Lisboa em que todo o “santo” condutor de ambulância ou carro da polícia parece deleitar-se a azucrinar os ouvidos da população. Vá-se lá saber, um destes dias ainda se lembram de reclamar “fire lanes”.

Monday, December 6, 2010

as qualidades

Ela junta duas qualidades que ele considera excepcionais:

1) Encontrá-lo espontaneamente no meio de uma multidão, como quem possui uma bússola no coração…

2) Fazê-lo sonhar com toda a meiguice do mundo, deslumbrante como o abraço…

Chega? Sim, tudo o resto vem por acréscimo. E ele? Ele… ele oferece-lhe as palavras. Humm, é pouco…

Sunday, December 5, 2010

Certezas (de pasteleiro)

O que as mulheres esperam de nós? Certezas. Obcecadas pela resposta pronta para a pergunta fulcral “O que pensas quando pensas em mim?”, elas esperam tudo e um bocadinho mais ainda. Não ficam satisfeitas com uma base, um princípio, querem o topping com sabor romântico-para-sempre. Entendidas que se julgam em cupcakes, acham que o bolinho tem que trazer a cobertura quando sai do forno. Que os macarons já vêm com o recheio. Que os éclairs já nascem com o chocolate dentro. São umas impacientes que só devoram certezas. E não é nada assim. Nós os homens necessitamos de tempo, precisamos de saber, de sentir, e isso demora tempo e cuidado no passar do estado apaixonado ao “é a ti que quero, com toda a certeza do mundo”. E sim, pelo meio há confusões, escolhas e decisões difíceis que por si mesmo contribuem para o sabor perfeito do que ambos queremos. O tempo é essencial.

latest novel

In my latest novel you are a fearless secret agent. Always ready to face many perils to rescue whomever you have to save from some ubiquitous strange international plot. From time to time you jump on a jet plane disguised as a sweet girl just ready to change the order of things. I play the role of “Mr. Nice Guy” unable to understand what’s going on, since you are very well trained to put me off and I just don’t get it. Maybe it was the Israelis or other kept away organization that told you to keep me at large, and I just don’t get it. That would explain your singular way of life, your addictiveness to order and why you’ve left me behind. You are not just a Bond girl, you are “Bond” yourself and I was a menace to your purpose in life. Anyway I didn’t get it and you didn’t want to justify.

Saturday, December 4, 2010

racional

Creio entender hoje melhor porque se amavam. Havia ali um sentido forte concebido pela imaginação que se sobrepunha a qualquer desejo racional. E eu tenho esta necessidade absoluta de ser racional. Está-me no sangue como a capacidade de escrever espontaneamente sobre o que me vai na alma. Tenho pouco lugar para o místico, porque a maior parte das vezes não acredito nessas coisas que aos outros parecem fazer sentido. Para mim, o mundo é feito de coisas muito palpáveis, mesmo nos sentimentos. Não se sofre pelo que não se conhece. Não se sonha com o que não aconteceu. Há sempre um fundo para o que se sente. Pode ser ligeiro ou baseado numa sensação, mas tem que existir matéria-prima para tudo o que se deseja ou anseia. A vida é feita dessas pequenas coisas, como a água da chuva a sublimar mesmo num dia muito frio como o de hoje.

Thursday, December 2, 2010

o estado “what's a boy to do?”

Utilizou as mãos em concha para atirar várias vezes água ao rosto, procurando um segundo de lucidez. Sabia que a sensação da água a escorrer pela face o ajudaria a encontrar respostas – é por isso que gosta da chuva. Pensou porque não se sentia magoado. Tinha todas as condições para isso, desde há muitos meses. Sabia que a mágoa seria um catalisador para esquecer tudo o que queria, para o fazer despertar do que sentia. Pensou porque não insistira em colocar em prática o plano de sair magoado para se libertar. Sentiu-se descontente com o efeito da idade. A maturidade que não o deixava assumir com propriedade a angústia de perder. Achava que devia ser ao contrário, que a experiência deveria contribuir para deixar passar o que não pode ser seu. Por um momento, odiou a sua personalidade vincada de não saber aceitar a derrota. Desejou não querer saber mais. Imaginou como tudo seria mais fácil se não fosse tão persistente. Olhou-se no espelho e sentiu vergonha de ser assim, pretensioso. Não chegou a conclusão nenhuma e definhou.

We walked arm in arm
But I didn't feel his touch
The desire I'd first tried to hide
That tingling inside was gone


And when he asked me
“Do you still love me”
I had to look away
I didn't want to tell him
That my heart grows colder with each day


When you've loved so long
That the thrill is gone
And your kisses at night
Are replaced with tears


And when your dreams are on
A train to train-wreck town
Then I ask you now
What's a girl to do


He said he'd take me away
That we'd work things out
And I didn't want to tell him
But it was then I had to say


Over the times we've shared
It's all blackened out
And my bat lightning heart
Wants to fly away


When you've loved so long
That the thrill is gone
And your kisses at night
Are replaced with tears


And when your dreams are on
A train to train-wreck town
Then I ask you now
What's a girl to do


What's a girl to do
What's a girl to do
What's a girl to do