Sunday, October 29, 2006

Tarantino’s style

Nove e vinte de sexta-feira, encurralado no pára-arranca do eixo Norte-Sul a tentar alcançar a ponte. Para completar um dia de cão, parecia-lhe que meia Lisboa e arredores decidira partilhar a ideia de aproveitar a semana de feriado no Algarve. E ali estavam todos metidos nas suas caixas de metal de fabrico estrangeiro apoiadas sobre rodas. Sentia-se frustrado, desmotivado e cansado, a precisar definitivamente de recarregar baterias, no seu – e de muitos outros também, a avaliar pelo tráfego – refúgio algarvio. O seu T2 a dois blocos da linha da praia, perto de Lagos, que comprara com os ganhos da bolsa nos idos de 97…bons tempos. Infelizmente, as miúdas também lá estariam durante o fim-de-semana. Após a acalorada discussão telefónica da hora de almoço, Isabel seguira com as crianças pelas seis da tarde, e era certo e seguro que as três fêmeas lá de casa não o iam deixar sossegado durante sábado e domingo. Mas na segunda-feira ficaria sozinho, para se dedicar à leitura do último de Noam Chomsky, divagar um pouco e passar pelas brasas em horário de trabalho. Enfim, deixava para trás a azáfama do escritório, as intrigas palacianas dos colegas e a poluição sonora da capital. Estava realmente farto de tudo e de todos, dos compromissos que assumira, da vida persistentemente repetitiva, de acordar, trabalhar, ir buscar as miúdas ao colégio, fazer conversa ao jantar com Isabel, dormitar diante da televisão e deitar. Tinha dias em que lhe apetecia mesmo… Por isso, e por outros motivos mais, jogava compulsivamente no euromilhões, tal como anteriormente no totoloto. Todas as semanas empatava entre vinte e trinta euros nos jogos de azar popular – no passado ia também regularmente ao casino mas com o nascimento das miúdas tivera que se deixar disso. E naquela sexta-feira, tinha tido que aguardar meia-hora na fila interminável para meter os boletins e candidatar-se aos 113 milhões. Acelerava já na auto-estrada junto da Marateca, quando se lembrou de sintonizar o rádio para saber a chave – “e os números da chave vencedora do concurso desta semana do euromilhões são 3, 4, 8, 44 e 50, e as estrelas o 7 e o 8” – fixou-os de memória e puxou da carteira onde guardava religiosamente os boletins, concurso 42: “3 4 8 44 50 + 7 8” e naquele momento, lançou as mãos à cabeça e o carro fugiu para a vala de separação da auto-estrada…

Sociedade moderna


Segundo as estatísticas televisivas cá da terrinha existem cerca de 50 mil pessoas a trabalhar em Call Centers e Contact Centers em Portugal. Continhas de merceeiro: 4 turnos por dia, descontos de noite e fim-de-semana, em horário de expediente dá aproximadamente 10 mil marmelos a atenderem clientes e fregueses ou a fazerem contactos. Em permanência, existem sempre pelo menos uns 10 mil portugueses a fazerem pedidos, reclamações ou a serem vítimas do marketing enganoso ou não – i.e., em contacto com os outros 10 mil desgraçadinhos. É obra, e triste pensar ao que chegámos. E o comércio tradicional, o que é feito do comércio tradicional?

Wednesday, October 18, 2006

Awakening

Aparentemente falta cá na terrinha um pouco de tudo. Ele é o dinheirito para pagar as portagens nas Scut. Ele é o bom senso para deixar de prometer pensões de reforma que depois não são possíveis. Ele são as fontes de energia primária para impedir os incrementos desmesurados da electricidade. Ele é a “flexibilidade negocial” para ir ao encontro das reivindicações dos pobres professores e do seu magnânimo Estatuto da Carreira do Docento, vulgo ECD. Enfim, as coisas em geral vão tão mal que parece que também já faltam as maternidades e serviços de urgência com proximidade às parturientes e pacientes. Nesta época do ano, até nem o sol nos faz a vontadinha e temos que gramar a chuvinha a rodos.
Pensar em soluções para todas estas desgraças, necessidades e soluções também já não é causa a que muitos se dediquem – creio que por estas alturas também estamos todos mais ou menos conformados e confortáveis com a ideia de que o xico-espertismo genético vingará e passaremos todos mais ou menos incólumes pelas nossas humildes existências, apreciando pormenorizadamente os nossos próprios umbigos e fechando os olhos às agruras do vizinho do lado. Eu, pessoalmente, também já desisti de me pôr a gastar os neurónios a não ser que me paguem bom dinheiro pelo exercício. Assim sendo, e só porque me apetece – valha-nos a liberdade de irmos fazendo o que bem nos apetece – retomo a solução simples e imediata de copiar e plagiar ideias antigas de quando alguns de entre nós ainda se dedicavam a ter ideias radicais para dar a volta às coisas.



Baseando-me e acrescentando valor à magnífica ideia do “Europe’s West Coast” by BBDO, proponho:

- A construção de 10 ou 12 casinos à volta de Lisboa, para ajudar a malta a torrar os tostões que ainda restam enchendo os cofres do Estado, impedir a entrada das hordas de suburbanos nas noites de fim-de-semana, incentivar o turismo e com isto justificar o investimento no novo aeroporto e, duma forma geral, entreter a multidão mais regularmente do que com a espera pelos sorteios do euromilhões.

- Transformar toda a zona desde o Tejo até ao Douro num enorme espaço dedicado a urbanizações e lares para a terceira idade, para a nossa e para a dos outros. Há que ter visão para isto porque se trata do único futuro plausível: termas aqui e acolá, muita floresta cuidada, rios e serra q.b. para actividades ao ar livre não demasiado radicais, um pouco de praia atlântica para quem não gosta de ir a banhos, frutinha e vegetais de qualidade e vinho, muito vinho para ajudar a animar os espíritos. Emprego geriátrico para quem quiser e as pensões de reforma dos países ocidentais a entrarem em torrente.

- Fazer do belo Alentejo uma gigantesca hollywood, para produção de filmes, novelas e reality-shows também. Imaginem lá os montes alentejanos todos transformados em magníficos cenários de grandes produções, telenovelas mexicanas ou casas big-brother ou similar. Os velhotes indígenas a verem passar as estrelas, mais uns quantos resorts para entreter as ditas, meia-dúzia de aeródromos para os jatinhos particulares e toda a gente satisfeita a papar umas migas e a trincar costeletinhas de borrego. Uma delícia!

Enfim, com o Algarve já não temos que nos preocupar, as ilhas poderiam continuar a ser subsidiadas à custa do cash-flow do continente e para norte do Douro, poderíamos sempre ir pensando num parque jurássico. Bora lá?