Tuesday, January 31, 2012

No Reino do Abacaxi | 3

Deixou-se ficar quase uma hora debaixo do chuveiro com a água quente a escorrer-lhe sobre as costas, enquanto pensava o que queria daquele encontro. Se fosse até ao fim, aquela seria a sua primeira traição ao que sentia, e sabia de antemão que isso iria deixar desmanchado o que queria para a vida. Quando saiu debaixo da cascata, decidiu que queria escrever-lhe uma carta, com as palavras doces que sentia por debaixo do peito:
“Meu Amor,
O que despertaste em mim não parece ter fim e prolonga-se para além das estrelas que cada dia vejo passar no céu sobre a iluminação desta cidade. O que eu sinto é maior, mais completo do que a matéria lamechas que enche o Universo. Tu enches-me de uma espécie de certeza, de um marejar de sensações que confundem o meu presente com o nosso passado e com as viagens que vêm no futuro. Foi talvez a forma como te agarraste a mim no primeiro abraço dado, e como eu deixei o teu cheiro impregnar-se na minha alma já a compor tudo o que estava por vir. Naquela noite, recordo-me bem, tudo o que eu sou passou a ter um sentido exacto. Numa constante do que eu aprendi a sentir, tu conseguiste despertar-me para a realidade do que eu quero ser contigo. Depois, apostámos em experimentar as sensações dos corpos, do contacto dos poros, e sublime não é uma palavra suficiente para descrever a maravilha do que somos capazes. Eu sei, mesmo contrariado, que uma sorte assim não se constrói mas adivinha-se pela posição dos astros, como se estes fossem capazes de transformar a matéria do dito numa energia única que prevalece para além do que decidimos fazer com o entretanto das nossas vidas. Percebe o que te quero dizer: não faz mal.
Ainda e sempre teu,
Ricardo”
E saiu, optando por não carregar no “send” mas carregando na porção do after-shave e a sentir-se indeciso para o jantar marcado com a morena das pernas compridas e saltos altos.

Monday, January 30, 2012

No Reino do Abacaxi | 2

Escutava as palavras bonitas mas incompreensíveis da Bjork, a senhora da terra do gelo e do fogo, numa melodia cheia de graves e em simultâneo absorvia as legendas em inglês na tela projectada:
- I’ve written you a thousand letters.
- I didn’t get a single one.
- That’s because I didn’t post them. I wasn´t sure I would get through it. Do you understand?
- Yes, I do. Can you give them to me, now?
- I’ve left the letters behind, but not the words. The words... I’ll say them to you every morning and every night for the rest of our lives.
Gostou da sua rápida distorção do diálogo, sentindo-se egocentricamente satisfeito com a forma como era capaz de extrair o melhor dos sentimentos legendados na tela, por actores bem pagos para interpretações brutais, mas sempre aquém da realidade. Gostava da estatística que dizia que apenas dez por cento das pessoas sabiam o que era amor real e de se sentir parte da minoria maior. Muitas vezes pensava que este tipo de orgulho era o que fazia pior, o que o fazia menos bom do que os demais mortais. A confiança de se sentir, de ser capaz de sentir, assim, não era um contributo para a felicidade. Recordou a primeira vez que se sentira assim, excepcional, nas causas do amor e da paixão, quando se envolvera com uma japonesinha de nome Miuri, uma miúda de uma beleza invulgar que concorria na turma do liceu com uma mestiça chamada Bárbara que também lhe despertara algum interesse, mas apenas momentaneamente. Outros tempos, em que o fascínio pelas belezas invulgares prevalecia sobre o que no presente era a segurança de preferir tons de pele branca e olhos geneticamente redondos. De qualquer forma, havia experimentado o sabor das diferenças étnicas e, mais uma vez egocentricamente, sentia-se bem com o seu sentido do apurado. Para ele, a beleza exterior era definitivamente importante e não tinha qualquer problema em admiti-lo, mas não bastava como condição suficiente, o mais importante era uma conjugação que gostava de traduzir na forma dos movimentos das mulheres que fora capaz de amar. Classificava esta composição como “a pinta” e não era traduzível numa escala mas sim uma propriedade unívoca feita dos elementos exclusivos e proprietários de cada mulher que chegava a conhecer. Em jeito de sinfonia, implicava para ele o apetrecho de características que não podiam resultar de uma simples troca de olhares e gostava de acreditar que o amor verdadeiro começava de outra forma.
De qualquer forma, ali estava ele com um grupo de amigos numa noite acabada, num bar de um hotel de uma terra distante à sua, num reduto de observação masculina a apreciarem o círculo de belezas invulgares que dançavam ao som da música escolhida da rainha da Islândia, num formato “tecno” próprio da geração subsequente. No meio da pista “aos pulos” uma loira de olhos bonitos e cabelos alisados fixava-lhe o olhar com quatro quintos de provocação insinuante, como que a dizer “Se arriscares meter conversa comigo, posso transformar-me no que tu quiseres...”. Mas para ele, no presente, o jogo não era aquele e queria encontrar personagens realmente interessantes para a história do “No Reino do Abacaxi”.

Sunday, January 29, 2012

No Reino do Abacaxi | 1

Acordou sobressaltado de um sonho confuso em que encontrava um seu amigo confessamente homossexual deitado na cama, a abrir um livro, e a mostrar-lhe o texto para lhe perguntar se era português do Brasil ou do original.
- Português do Brasil, respondia-lhe.
O livro tinha uma capa negra e no título feito de letras amarelas, lia-se: “No Reino do Abacaxi”.
Estremunhado, virou-se para o lado e agarrou no iPad. Abriu o “Notes” e tomou nota do que se recordava. Enquanto escrevia, demasiado lentamente, sobre o teclado visual, começou a imaginar o detalhe da capa do livro, percebendo que lhe apetecia compor uma fotografia infinita com a capa preta e o título em letras amarelas repetidas sucessivas vezes até deixar de se perceber o “No Reino do Abacaxi”. Concentrou-se na interpretação de tudo o que lhe passava pelo pensamento, desde o significado do sonho até ao simbolismo do infinito perpetuado na capa do livro. Recordou-se da sensação absorvida dos espelhos que se auto-reflectem, como em criança quando se sentava na cadeira do barbeiro do bairro e observava o movimento da tesoura do Sr. João, o barbeiro, reflectido até ao infinito no espelho da frente e no espelho de trás, até deixar de se deixar ver. Fechou o iPad e encerrou as divagações.
Deviam ser umas 11 horas da manhã e pressentiu que lá fora fazia sol. Afastou o édredon para junto dos pés e levantou-se da cama devagar, ficando uns momentos sentado a respirar fundo. Abriu lentamente a persiana, num acto que sempre o fazia imaginar a perspectiva de sair para fora de uma tenda protectora do calor do deserto. Na casa de banho olhou-se no espelho, não estava demasiado despenteado mas com o cabelo muito comprido. Sorriu para si mesmo, reflectido em mais um espelho e reflectindo rapidamente sobre todas as histórias boas que a vida lhe vinha trazendo. Sentia-se maior mas não mais velho do que desde a última vez que tinha feito uma retrospectiva assim quase instantânea, e isso já tinha sido há algum tempo. Mesmo sem companhia, apetecia-lhe sair para almoçar e imediatamente escolheu o sítio onde sabia que podia observar a cidade gigante vista de cima.
Teve sorte e esperava-o a mesa perfeita, diante da janela enorme aberta para a visão do aglomerado de prédios do outro lado do rio, agora encimado por nuvens carregadas em deslocação automática rumo ao norte. Tudo mesas de pares. Imediatamente à sua direita marido e mulher, compunham um casal de meia-idade engraçado. Na segunda mesa um par de namorados com as mãos dadas sobre a mesa, mas, aparentemente, ele esquecera-se de lhe oferecer a vista, ou ela preferira voltar as costas à cidade. Na mesa da esquerda um casal de homens, ambos com os iPhones bem alinhados em mosaico com os individuais sobre a mesa. A companhia da esquerda, deixou-o a pensar no pratinho do dia, mas na realidade já sabia o que queria desde a última vez que ali estivera. Pediu os camarões marinados em chá sobre risoto de ervas e azeite. Pediu um guaraná com gelo e laranja, sem se deixar levar pela proposta “guaraná zero?” do empregado. Por um instante, ficou a pensar nas consequências “zero” e “light” da sociedade moderna, um truque de marketing engendrado por homens-loucos para convencerem os fregueses a pagar o mesmo “sem calorias”, quando na realidade, ninguém gosta de baixas calorias e todos preferimos calor.
Enquanto esperava experimentou contrapor o vinco da sua personalidade e observou cada um dos pares:
Os gays divergiam nos pedidos, um pedira um hambúrguer suculento no pão e o companheiro uma salada repleta de cogumelos. Não conversavam muito e, de vez a vez, foram consultando os iPhones como que procurando outras notícias. No final, dividiram a conta, pagando ambos com cartão, um “a débito” e o outro “a crédito”. Não chegou a grandes associações sobre as opções de pagamento.
Os do par de namorados não abriram a boca excepto para mastigarem. A meio do almoço ela estendeu-lhe o garfo à boca para ele poder provar o que lhe parecia ser salmão teryaki. Decidiu classificar e classificou que não faziam um par bonito, e agradeceu a realidade de nunca ter sentido a falta de palavras nas suas relações.
Decidiu premiar e atribuiu o prémio ao casal de meia-idade que interpretou como uma relação madura, apesar de a conversa dele discorrer sobre a aplicação que tinha no iPad para localizar o dito e o iPhone da filha, e de ela se revelar mais preocupada com a “babá” que ainda não teria chegado a casa para tomar conta das crianças.
Para além disso, saboreou os camarões num pensamento contrastante com a visão das nuvens e dos edifícios altos, recordando um outro almoço solitário à vista de St. Paul’s Cathedral, uns dez anos antes.
Finalmente, pediu a conta, recusando a sobremesa e optando pelo pagamento “a crédito” com um cartão estrangeiro que confundiu o empregado entre a escolha do chip e a banda magnética.
Saiu para o interior do complexo em formato árvore e escolheu completar as calorias com o melhor bolo de chocolate do mundo.
Era sábado no reino do abacaxi.

Dos hotéis e da BD

Na vida como no “Lucky Luke” existem os hotéis paradigma. São aqueles em que o “nosso herói” encontrava a última oportunidade antes de se sujeitar ao deserto, e a primeira oportunidade para um banho depois de completar a travessia. É por isso que os hotéis mais confortáveis do mundo se encontram na Califórnia e no México, habitats marcados pela travessia do deserto em que se encontram banheiras que fazem jus ao nome e a possibilidade de banhos de imersão capazes de extraírem a poeira impregnada nos poros de qualquer herói.
Há umas 24 horas, mais ou menos umas quantas de fuso horário, tomei um desses, relaxante até à raiz dos sentimentos, com um gel da Bulgari mesmo bom, como só se encontra nesses hotéis capazes de lavar a alma fora de casa. No avião fui vendo, pelo canto do olho, o filme do “Tintim” by Steven Spielberg, dividido com as notas do presente no iPad e o “Os 30 – Nada é Como Sonhámos” apanhado no iBooks.
O “Tintim” é um filme idiota, que revela a falta que nos vai fazer a francofonia na era pós-globalização, convertendo o adorável “Milu” num “Snowy” demasiado animado e a dupla “Dupont et Dupond” nuns “Thomson and Thompson” sem graça. As notas do presente vão dando excertos profundos para o romance que (por) agora me apetece escrevinhar. O livro da Filipa Fonseca Silva é despretensioso e fácil q.b. para qualquer “jovem” da minha geração se reconhecer nos paralelos instantâneos que a vida produz como se fossem polaroids desenhadas por um qualquer Rantanplan.
C'est ça!



Tuesday, January 24, 2012

Encaixar e deixar de interpretar

Sabes que deixaste de tentar interpretar, que desististe do teatro e que o que se passa à distância não importa quando a imagem e as sensações que te fazem sentir bem são: o rasgo daquele sorriso pressentido junto ao teu pescoço, que prevalece aos braços cruzados sobre o teu peito, com o cabelo espraiado sobre os dois e com o resto do corpo perfeito justamente sobreposto ao teu, encaixado desde o abdómen até às pernas e aos pés, como se tu fosses realmente a jangada que a faz flutuar na agitação da vida. És tu e sou eu, mesmo.

Monday, January 23, 2012

O curandeiro incapaz

Mais uma vez encheu-se de palavras sábias, compondo a mezinha a partir de um prontuário vasto em que não encontrava a fórmula exacta para si próprio:

- Não vás nessa de propores uma relação à distância porque mais cedo do que imaginas vais acabar com o coração esgaravatado, e depois, depois não saberás como recuperar, nem como recuperá-la.

Sunday, January 22, 2012

Complete the puzzle

Acordei abraçado a mais um sonho a sentir as tuas mãos dadas num destino diferente, de passeio por um jardim cheio de árvores carregadas. Fiquei meia-hora na ronha a tentar interpretar o puzzle ou à espera de voltar a mergulhar na fantasia, até sentir demasiado calor e o princípio de uma enxaqueca, adivinhando que lá fora está quente e húmido. Off to the pool, boy – it’s summertime and the living is easy.

Saturday, January 21, 2012

Here comes the sun

Acordas de mais um sonho confuso – complexo de interpretar, como tu gostas. Finalmente faz sol, como tu queres. Chuveiro e fato-de-banho. Cereais tropicais na varanda, na companhia do iPad. Chat com uma amiga do outro lado, lá perto de onde mora o presente. Tu contas-lhe que ontem experimentaste mais um restaurante fabuloso com a C. e dizes-lhe para ela te vir visitar. Ela responde-te com um smile e diz-te que lá o sol também está bom, e que vai vestir as calças de fato treino para se encontrar com a S. de apelido memorável. Tu sorris com a imagem da I. de calças de fato de treino e imaginas o cruzamento com o presente numa caminhada lá no bairro, sem saberem que me têm em comum. Off to the pool, boy.

Friday, January 20, 2012

O Chianti

A avó apreciava um bom vinho feito de uvas da Toscana e como os Romanos preferia diluí-lo com um dedo de água no copo de vidro fino e curvado. Em seguida, cuidava de tapar a garrafa com a cortiça áspera para preservar o produto resinoso, como se tratasse de uma ânfora.
Um dia, trouxe-lhe um Chianti Classico numa mala de viagem e fiquei a observar-lhe as mãos de ossos inchados enquanto acarinhavam a cestinha. Ela já estava velhinha e agradeceu-me com um beijinho de avó.

Thursday, January 19, 2012

Papagaios-de-papel sobre a favela (ou uma carta de amor)

Foi quando vi dois papagaios-de-papel a sobrevoar a favela que me senti encantado com a memória da fotografia tirada num compasso das tuas palavras.
Amor, amor assim sente-se do nada e sobrevive porque é bom. Este tipo de amar, que releva tempo e distância, transforma-nos a vida em cada pedacinho dedicado e faz-nos astutos. Pressentimos o que está para lá do vazio.
Sento-me na tua posição preferida e está uma neblina baixa que mal deixa ver o outro lado do rio, mas que faz sobressair a dança dos papagaios-de-papel. Sinto o meu cabelo, muito comprido, a acompanhar a imagem do teu sobre a almofada de marca. São estas imagens que me marcam, de ti e de nós nos estreitos momentos em que nos fazemos felizes.
A temperatura baixa com o sol escondido mas o que sinto por dentro não me deixa arrefecer. Há algo aqui, na redoma redonda que eu entendo ser a alma que me aquece continuadamente desde o dia em que comecei a gostar de ti. Aprendi a amar-te desta forma maravilhosa e tu respondeste-me com a reciprocidade de te sentires apaixonada pelo menos em dois momentos igualmente distantes.
Tu que acreditas nas estranhas energias, devias compreender que a tua alma comunica com a minha. Por vezes parece um telégrafo restrito a pontos e traços, outras é mesmo uma intensidade de palavras e imagens trocadas em banda-larga.
Há dois giros atrás já nos tínhamos encontrado mas ainda não sabíamos o que significava. Há uma revolução do astro, adormecias feliz nas camisolas sobre o meu peito. O futuro era como esperávamos, brilhante, e hoje continua assim mas com um céu aberto como os dois papagaios-de-papel a voar sobre a favela que se vêem da nossa varanda.

A concertação às colheres

Lavo loiça acumulada e conto 4 colheres dedicadas à última embalagem do melhor sorvete de sabor menta com pedaços de chocolate – 900 ml de abuso, corro o risco de ficar gordo mesmo sem propensão.

Estou nisto, nos meus pensamentos quotidianos, quando o ego decide meter-se comigo:
- Miúdo, estás meio-perdido heim!?
- Achas? Se calhar a culpa é de quem deixou de ser cêntrico!
- Ahah, eu sou como tu me sentes… a escolha é sempre tua, tantos anos de convivência e ainda não me percebeste?!
- Humpff…
 
Nisto, entra a sabedoria:
- Tu precisas é de um plano, para a vida.
- Humpff…
- Sim, pá! Precisas de um rumo, novo ou repetido mas convicto.
- Humpff, humpff…
 
Entra, então, em cena o coração:
- Arrebata pá! Arrebatar é que é o verbo certo.
- Humpff, humpff, humpff…
 
Finalmente, compõe-se o sindicato com a chegada da razão:
- Miúdo, tu precisas é da equanimidade!
- Ups! Palavra nova, vou ver ao dicionário, e sabe-me bem. Melhor, não sabe a nada…
 
Volto ao sabor menta com pedaços de chocolate e tenho mais uma colher para lavar.


Tuesday, January 17, 2012

A entrevista (a próxima que há de sair…)

Telefonam-me do além-mar, da terra comprometida, e pedem-me para “dar” uma entrevista para um pasquim nacional em formato de revista, daqueles que mesmo com imensa tiragem, eu só folheei em formato entrega gratuita no lounge do aeroporto – Eu, duplamente arrogante e famoso q.b., já tenho a minha quota-parte de entrevistas dadas a melhores formatos que merecem o desperdício das nossas árvores transformadas em papel; Eu, em formato imaginário de “alcancei o que queria”, já só daria palavras para a Economist e à Monocle intelectual.
O tema assemelha-se-me repetitivo: as percepções de um “jovem” “talento” fora de portas – note-se agora a modéstia implícita nas aspas ao quadrado. Naturalmente, peço que me enviem um guião que me permita ponderar as palavras que vou traduzir na longitude telefónica. Depois, fico a pensar no assunto, e se posso ser diferencial, que é como quem diz contrário e “politicamente incorrecto” a tudo o que tenho lido sobre os paraísos dos destinos fora do rectângulo à beira mar plantado.
Apetece-me dizer-lhes que Portugal é comprovadamente maravilhoso, que não há nada melhor do que o sol de lá, mesmo em pleno inverno. Apetece-me dizer-lhes que existe realmente um sentido de profundidade nos velhos que se sentam nos jardins e na esperança dos bebés que enchem os carrinhos respectivos. Apetece-me dizer-lhes que embora existam nações com mais razões do que a nossa, a terra-mãe que subliminarmente cheira a um misto de amêndoas e azeitonas boas consegue ser do melhor que há. Apetece-me dizer-lhes que nestes destinos para onde a juventude aventurosa e geneticamente despreocupada parece querer embarcar, existem coisas boas sim senhor, para experimentar, mas que depois não há nada capaz de substituir as amêijoas devidamente temperadas com coentros e saboreadas à beira do dito mar. Por uns minutos troco ideias com uma amiga deslocada para um outro destino meridional e acabamos a conversa com a palavra saudade, que eu acho que dava um verbo muito melhor do que o fado como obra protegida da humanidade – note-se o “h” pequeno. Estive em Lisboa e em algumas partes mais profundas do país que temos e não constatei a desgraça como gostamos de afirmar. Aqui, faz-me falta gente interessante, capaz de me estimular e não me posso esquecer de pedir para me transcreverem na velhinha ortografia do Camões.

É o que eu sinto. Vamos ver o que eu digo – melhor, o que os aldrabões dizem que eu digo censurado – no pasquim de sexta-feira!

Saturday, January 14, 2012

Acordar

A síndrome(*) de só quereres a pessoa que amas e o sintoma(**) da ausência deixam-te a vaguear entre o teu lado da cama e o dela. Sonhas, cada vez mais, com o amor impecável e com os movimentos perfeitos dos corpos, brutal, entre a forma como lhe seguras o cabelo com as tuas mãos grandes para lhe fixares o rosto e o abraço com as pernas que é exclusivamente dela.
A verdade, a tua realidade, confunde-se com o que o teu consciente deseja e sentes mesmo o cheiro dela. Pressentes, porque sim, que ela também acordou a sonhar assim contigo.
Sentes-te inspirado e desces para a piscina, para o sol que queres ver na pele dela.

(*) sim, é mesmo feminino
(**) masculino

Thursday, January 12, 2012

A falta

Ela - Sim, sinto a tua falta. A falta de ti a dormires ao meu lado, mesmo sabendo que me ias acordar pela manhã com as tuas mãos grandes a percorrerem o meu corpo e com o beijo húmido a saber a pasta-de-dentes.
Eu - Esta situação é tramada...

Wednesday, January 11, 2012

Back in the big city

Estranhamente achei que chegava cá e que não ia gostar da sensação, mas a cidade grande, a “mais grande” em que já vivi, recebeu-me bem e sem chuva, até desatar a chover, torrencialmente. Que verão estúpido que estes tipos têm por aqui… de t-shirt a jantar cá fora, com a chuva a cair mas sem a frieza do hemisfério norte e a cuidar das plantas – a orquídea bonita e o jasmim dos cheiros, que parecem querer sobreviver às ausências do amor completo.

http://www.youtube.com/watch?v=3QMAPP7S5TA&feature=share

Não gosto de postar utubes no blog, mas este merece porque traz imagens fantásticas da cidade grande.

Tuesday, January 10, 2012

O dote

O dote dela era do mais básico que há no -3 do Corte Inglés. Não se pede mais a alguém que sabemos que nos faz feliz. Feliz e com um sorriso absurdamente aberto, foi o que eu senti quando a fui esperar ao aeroporto porque estava ali tudo o que um miúdo pede à vida. Pretensamente feliz foi como a senti a ela, enquanto caminhávamos para o estacionamento e eu, com excesso de zelo, quase destruía o dote. Afinal era apenas mais um instante de felicidade na história que só nós conhecemos, e hoje aconchegado pelas almofadas que vieram naquela mesma viagem, e de que eu realmente gosto, tenho a certeza de querer viver tudo outra vez.

Sunday, January 8, 2012

Fazer as malas

Ele - Não compreendo como, desta vez, me deixas partir com o coração tão cheio de ti…
Ela - Ahah, é para ver se dura mesmo ou se rebenta de vez!
Ele - … (medo)



I've got you under my skin.
I've got you deep in the heart of me.
So deep in my heart that you're really a part of me.
I've got you under my skin.
I'd tried so not to give in.
I said to myself: this affair never will go so well.
But why should I try to resist when, baby, I know so well
I've got you under my skin?

I'd sacrifice anything come what might
For the sake of havin' you near
In spite of a warnin' voice that comes in the night
And repeats, repeats in my ear:
Don't you know, little fool, you never can win?
Use your mentality, wake up to reality.
But each time that I do just the thought of you
Makes me stop before I begin
'Cause I've got you under my skin.

Saturday, January 7, 2012

6 graus do frio de Lisboa

Fazem 6 graus do frio de Lisboa. Sentes-te gelado por fora, abafado por dentro e ébrio com o que não podes.
Fora de horas, dás por ti a gostar de rever o “Everyone Says I Love You” com o Edward Norton muito novinho a cantarolar para a Drew Barrymore, e o Tim Roth em grande: I could show the world how to smile, I could be glad all of the while, I could change the gray skies to blue if I had you… There is nothing I couldn’t do if I had you.


Friday, January 6, 2012

Diálogo incandescente

Ela - Se pudesses mudar alguma coisa na tua vida, o que escolhias?
Ele - Nada, mesmo nada.
Ela - Parvo! Resposta parva, toda a gente mudaria alguma coisa.
Ele - Bom, talvez o presente.
 

O maldito verbo

Mais um jantar em que abres um sorriso que não consegue ser exactamente o que pretendes. Gostas da conversa, gostas do conteúdo, descobres as semelhanças do que aprendeste a gostar e queres deslumbrar-te, deixar-te encantar. Mas falta ali o mágico, ainda é só malabarismo. Sentes o pensamento paralelo e percebes o sorriso com sabor pepsodente que estás a mostrar. Maldito dom o de seres capaz de pensar a conversar. Escolheste, bem, um Quinta da Canameira de 2008, anterior a tudo, mas estruturado e a apelar ao complexo, como tu gostas. Gostas cada vez mais dos vinhos selectos do Douro e das companhias ponderadas que os sabem apreciar. Gostas das referências à Ópera e das reminiscências das temporadas em Itália. Gostas dos olhos diferentes, mas dás por ti a fixar os que não viste bem há alguns dias atrás. Então, apenas entreviste um pouco das auréolas que te fazem acreditar. Queres despertar mas precisas de estar. Queres possibilidades mas não estás preparado para desistir. O maldito verbo que não sabes consumir ou consumar.

Thursday, January 5, 2012

O ego tramado

Este tem a capacidade de alimentar sensações só com as fotografias que guarda na memória. Por vezes faz um filme inteiro com as imagens a passarem rapidamente como quem anima banda desenhada sobre folhas de papel sobrepostas. Agora acabou de recordar o gesto univocamente dela a passar as costas dos dedos perfeitos sobre a testa bonita, linearmente acima das sobrancelhas lindas, e de se pôr a contar as vezes que se sentiu apaixonado ao vê-la fazer aquilo. Estou tão tramado.

Wednesday, January 4, 2012

As metáforas e as conclusões – Transmogrifier

Estabelecem-me metáforas e pretendem tirar conclusões sobre como eu sou. E sim, conhecem-me mas não no formato em que estou, sou, agora e desde que descobri o Mundo. É um feitio diferente que faz todo o sentido, com segurança e que não permite conclusões óbvias.

Tuesday, January 3, 2012

Antes que seja tarde #2

Antes que seja tarde, vive com intensidade, aproveita os momentos e assume as sensações, partilha-as com quem escolheres. Escolhe bem e decide sempre a olhar para a frente. Nunca te arrependas, nem deixes que as histórias dos outros, as que vês à tua volta te façam duvidar. Separa o melhor que puderes os exemplos, os que não são teus dos que queres para ti. Não percas tempo a pensar no que não é teu, no que não tem a ver contigo. A vida é um relógio e a variável tempo é a única que nunca dominarás por isso toma-a como um facto. Nunca te sintas magoado, há sempre mais e melhor para além do que sentes nos instantes maus. Comunica, não deixes de soltar as palavras que são importantes para quem escolheste. Cuida de quem amas, transmite-lhes carinho, sê meigo e dá-lhes toda a atenção que merecem. Dedica-te e aprende que só podes baralhar a variável permanente quando realmente investes o que tens, o que sentes e o que és, em alguém. Não penses demasiado nas razões e nas causas. Evita os paralelos, aposta na proximidade e viaja para o destino que queres teu.

Monday, January 2, 2012

As deambulações pelo protectorato chinês e os CDs a desenferrujar

Aproveito o dia de deambulações pela capital do novo protectorato(*) chinês para ouvir a boa música que tenho por cá na espécie de dolby surround que o velhinho VW me proporciona. Escolho propositadamente o do Nick Cave que tem o “Into my arms” mas a receita outrora infalível não faz efeito. Quase chego lá, quando ao passar ao largo do mais bonito jardim da cidade entrevejo gente sentada com medo e tenho a Mafalda a cantar “só pode voar quem arriscar cair” e eu penso para os meus botões “só quero ser feliz” e “não quero mais silêncios escondidos” porque “a vida é feita de sentir” a “ver se a vida se acerta naquilo que prometeu”. Enfim… lamechas de todo, e o “abraça-me bem” é o que se quer.

(*) gosto mais desta versão pré-do-pré-acordo-ortográfico porque termina em “rato”