Gosto da diversidade humana. Se
o mundo fosse mais perfeito do que já é, encontraríamos ao longo da vida muito
mais pessoas capazes de nos despertarem para além do simples facto e da
constatação de que estamos vivos dia-a-dia. Viver, a sério, é a faculdade de sentirmos
que está ali, mesmo diante de nós, alguém inequivocamente diferente e que nos
transporta para uma dimensão paralela daquela em que vivemos fisicamente.
Hoje faltava-me um fusível.
Literalmente, faltava-me o fusível para ligar, no carro, o carregador do GPS
sem o qual ainda me vou perdendo nesta cidade grande. Saí à hora do almoço e procurei
em vão um concessionário do bólide que me foi entregue, dando a volta a uns dez
quarteirões sem encontrar a maldita casa da Chevrolet e virando selectivamente
à direita para evitar perder-me. Finalmente, farto da procura decidi
experimentar o da FIAT (Fabbrica Italiana Automobili Torino), onde entrei e fui
recebido por um vendedor de barriga protuberante e aperto de mão caloroso,
provavelmente encantado com o sujeito devidamente engravatado que lhe poderia
comprar mais um carrito e proporcionar um bónus adicional a tempo do Natal em
família. Puxei do fusível estragado do bolso e ele percebeu que não vinha ali
negócio, mas abriu um sorriso rasgado e indicou-me onde encontrar a peça, umas
quantas quadras mais à frente. Quando eu já lhe voltara costas, agradecendo a
informação, chamou-me e disse-me “Cara, vai ali na frente e procura pelo
Alexandre!”. Eu agradeci novamente e atravessei a rua. Encontrei o dito, num
pequeno barraco com as mãos mergulhadas em óleo e no motor de um carro de capot
aberto. Sorriu para mim com uma expressão de paz-na-alma absolutamente única,
enquanto eu lhe mostrava a peça de 20 Amperes e perguntou-me: “Quantos você
quer?”. E eu: “Um basta. Não, melhor se forem dois.” Ele mergulhou no interior
do barraco feito oficina e reapareceu com os dois pedacinhos de plástico,
oferecendo-mos de graça quando eu lhe perguntei quanto era. Agradeci-lhe com
sinceridade, pensando na dicotomia entre o eu de fato e engravatado, e o
sujeito generoso das mãos cobertas a óleo, atravessei a rua em sentido
contrário e instalei o fusível novo para me orientar o GPS e o caminho de volta
à minha vida.
Durante a tarde e até agora, lembrei-me daqueles dois sorrisos
abertos e atenciosos, baralhando-os com as posições da vida e com os sentidos
opostos que esta pode assumir.
No comments:
Post a Comment