Retomo um Mishima de há meia vida atrás, Runaway Horses – seguramente muito difícil de pronunciar em japonês. E com ele retorno à fuga do “aqui e agora” e a perspectiva niilista das coisas quando estas me chateiam em demasia. Regresso à noção de que muito provavelmente nem existe o “aqui e agora” e à postura do crente na ideia de infinito, da existência resumida ao universo enquanto átomo na unha de um gigante, avançando lentamente para o precipício, num tempo demasiado distante para me preocupar. E recupero o pensamento, não cientificamente verificado, de que talvez a expansão a partir do Big Bang se faça em esfera invertida, desafiando os postulados da física, na direcção do centro que é a nossa própria singularidade de 21 gramas.
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E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que o facam deter.
Sabes, quem nao acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e nao na dos sentimentos; acredita na integridade da agua, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da agua do rio onde tantas vezes mergulhamos a cara, para sempre passaremos pela sombra da arvore onde tantas vezes paramos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos atraves do silencio das noites quietas em que tantas vezes olhamos o ceu e interrogamos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemencia destas coisas sem principio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traidos.
E a tua voz ouco-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um buzio. Vejo-te atraves da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que e’ importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Nao perdi nada, apenas a ilusao de que tudo podia ser meu para sempre.
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