Wednesday, August 31, 2011

o concurso ou o curso

No meu concurso de ideias sobressaem dois sul-americanos: Oscar Niemeyer – sobre quem já escrevi – e Jorge Luis Borges. Jórgê, este é sobre ti.

Encantaste-me desde as primeiras palavras que te li. Um dia, quando ainda era um miúdo com poucas palavras saboreadas, ofereceram-me este livro de capa trabalhada com os teus melhores textos, misturando a poesia de que não gostava com as tuas ideias substanciais e muitas vezes superlativas. Interpretei-te como um nacionalista simpático e bacoco até ser capaz de compreender que tinhas nascido numa condição diferente num país demasiado arcaico para o que devia ser o mundo real – basta referir que os Argentinos aboliram a escravatura exterminando todos (literalmente) os escravos – e ainda assim foste capaz de proezas para além do verso. En castellano.

“De todos los instrumentos del hombre, el más asombroso es, sin duda, el libro. Los demás son extensiones de su cuerpo. El microscopio, el telescopio, son extensiones de su vista; el teléfono es extensión de la voz; luego tenemos el arado y la espada, extensiones del brazo. Pero el libro es otra cosa: el libro es una extensión de la memoria y de la imaginación.”

“Democracia: es una superstición muy difundida, un abuso de la estadística.”

“Creo que con el tiempo mereceremos no tener gobiernos.”

“Enamorarse es crear una religión cuyo Dios es falible.”

“He sospechado alguna vez que la única cosa sin misterio es la felicidad, porque se justifica por sí sola.”

“La duda es uno de los nombres de la inteligencia.”

“Las palabras son símbolos que postulan una memoria compartida.”

“Morir por una religión es más simple que vivirla con plenitud”

“Que cada hombre construya su propia catedral. ¿Para qué vivir de obras de arte ajenas y antiguas?”

“Todas las teorías son legítimas y ninguna tiene importancia. Lo que importa es lo que se hace con ellas.”
“Uno está enamorado cuando se da cuenta de que otra persona es única.”

“Siempre imaginé que el Paraíso sería algún tipo de biblioteca.”

“Al cabo de los años he observado que la belleza, como la felicidad, es frecuente. No pasa un día en que no estemos, un instante, en el paraíso.”



Tuesday, August 30, 2011

o sonho e o helicóptero

Acordava com a luz a entrar pelo quarto em quantidades pequenas. Sentia o calor do édredon aquecido nos lençóis brancos e do sol a despontar lá fora. Virava-se para o lado e descobri-a no seu lado. Passava-lhe a mão pelo rosto, devagarinho, até lhe envolver os cabelos. Beijava-a um bocadinho acima das bochechas. Ela abria os olhos e a pupila dilatava-se-lhe enquanto se movia para cima do corpo dele, afastando os lençóis e o édredon para trás para ficarem à temperatura perfeita dos seus corpos, numa espécie de abraço bom. “Bom dia, querido”, dizia-lhe, passando-lhe a mão pelos cabelos. E então ele acordou, mesmo, com o ruído de um helicóptero a aterrar no Sheraton mas a lembrar-se do sonho e a querer viver as sensações.

Monday, August 29, 2011

“sometimes a dream is just a dream”

Like a distant piano played by lively hands, my horoscope turned to me and said “sometimes a dream is just a dream” and while reading those words I thought to myself that most people do prefer short stories, avoiding the complexity of longevity (long life).

Sunday, August 28, 2011

da Suécia ou de outro país estrangeiro

Recebo um email(*) improvável da Suécia. Deixa-me mais uma vez a pensar como esta geração, que é a minha, me desilude porque não foi capaz de mais e deixou o país esgotar-se, espalhando-se pelo mundo. Nós, os privilegiados com tudo o que usufruímos do crescimento interno no pré-revolução e das maravilhas da educação no pós-democratização apre(e)ndemos os prazeres da globalização melhor ainda do que os nossos egrégios (bis)avós que se metiam em “cascas-de-noz”. Eles arriscavam o desconhecido, nós só buscamos um destino diferente. Adaptamo-nos com orgulho e, por vezes, com paixão. Somos capazes e estamos preparados para vencer em qualquer lugar, excepto no rectângulo. Ali sentimo-nos reduzidos, menores. Aqui fora, até parece que somos os melhores (maiores). Que falta de ambição ou será condição? E será que vai restar alguém (português) com o discernimento suficiente para puxar a rolha no Alqueva?(**)

(*) que é como quem diz, mensagem no facebook porque já ninguém escreve emails.
(**) que traduz a minha alegoria para fazer afundar o país de vez.

diálogo surreal com o meu blog

O meu blog - Apetece-me fazer asneira...

Eu - Tu tem cuidado, vê lá no que te metes!

O meu blog - Já devias ter aprendido: quem aqui vem, ler o que escreves é, regra geral, gente fútil.

Eu - E então? Como já te expliquei há muito tempo, não escrevo aqui para ser lido. Escrevo porque gosto, porque me apetece.

O meu blog - Sim, sim, engana-te à vontade. Eu cá acho que também és um fútil, senão não me publicavas. Precisas de um público, não há mal nenhum nisso, és humano. Um humano fútil e lamechas, não é nada de mais.

Eu - Meu caro, escrevo muito mais do que tu percebes pelo que publico em ti. Nem sei se reservo o melhor para aqui. Como já te disse, gosto disto, de escrever sobre o que me vai na alma, para mim, para os outros, tanto me dá.

O meu blog - És mesmo lamechas... E fútil.

Eu - Não pá, tu é que ainda não percebeste que és o meu psiquiatra não pago. De borla, estás a perder bom dinheiro. O que tu fazes por mim vale guito e há quem viva disso.

O meu blog - Pá? Parvo! Abusas de mim e ainda deixas os comentários abertos. Estou farto de ser massacrado por comentários anónimos.

Eu - Ahah, também não entendo porque as anónimas se dedicam a ti, se não passas de um virtual, etéreo com menos valor do que uma folha de papel.

O meu blog - Não abuses, olha que eu faço uma queixa ao blogger ou então entro em greve e acabaram-se as borlas.

Eu - Meu querido blog, como tu sabes também há quem aqui venha, quem te leia, e me seja especial.

O meu blog - Meu querido? Tás parvo de todo. Tu cura-te.

Eu - Ok, chega. Por hoje.

Saturday, August 27, 2011

das atiradiças

Saio para jantar no bairro animado cá do sítio. Estou com um humor cão, desesperado por notícias da minha paixão. Perturbado até, faço conversa de circunstância com a gente que me rodeia. Encarno o bottelón com os que pretendem matar saudades. Aproxima-se um grupo de miúdas medianamente giras, despertas pelo som do castellano. Arranham a língua rude para meterem conversa e uma chega-se a mim, perguntando-me de onde venho. Desconverso, já tive a minha dose de miúdas destas. Ela insiste e eu desvio-me. Consulto o Blackberry que pisca e lá estás tu, para me fazeres concluir o que já sabia. Persisto apaixonado.

Friday, August 26, 2011

do facebook, contudo profundo

Com tudo o que não (se) tem passado nos últimos dias da minha vida, sou assolado por uma valente insónia (são raras, regra geral, prefiro sonhar…) e, depois de ter papado um episódio hilário e ainda não visto das desventuras do Hank Moody, duas bananas e uma mão cheia de nozes, dou por mim a navegar pelas frases feitas originais no facebook de um amigo de infância que hoje é um bebedolas e selecciono algumas para pensar mais tarde:

A interacção social é o expoente máximo da natureza egoísta do ser humano. Provém apenas da necessidade do indivíduo de dividir com os outros o fardo de se suportar a si próprio.

Não é que eu não seja uma dádiva de Deus à humanidade, Deus tem é um estranho sentido de humor...

You can only loose as much as you give. Catch 22: In order to win when it really matters, you have to give it all...

A juventude está perdida! Mergulhada no abismo da iniquidade!

If your life seems like a nightmare, it's not your life anymore.

O que é um altruísta? Um egoísta inteligente.

Note to self: ouvir atentamente o que têm para me dizer e ignorar tudo imediatamente a seguir.

A ironia não é uma figura de estilo. É o sadismo divino...

Inteligência emocional - Um paradoxo absurdo para enganar imbecis.

I HAVE A DREAM! Then I wake up and can't remember a thing...

Ajudem-me: se o surreal se tornar quotidiano, permanente e tomar conta do "real", perde o prefixo, certo?

Chover no meu fim-de-semana é falta de respeito!

Porque raio perdem as pessoas tanto tempo à procura de respostas desnecessárias para perguntas irrelevantes?

Brilhante... refugio-me no blog, emborco uns quantos copos de água mineral e já é sexta de manhã. Ah não, são só 4 da madrugada... maldito fuso!

Thursday, August 25, 2011

a fórmula - 1ª tentativa

A felicidade tem uma composição difícil com ingredientes gourmet, especiarias muitas vezes distantes e sensações em castelo. Com uma base sustentada de vida bem vivida, doses acumuladas de boas recordações e uma escolha improvável de amigos capazes de nos encherem o coração. A camada dos amigos pode sujeitar-se a escolhas diferentes ao longo do percurso. Eu já fui mais apologista de que o importante era ter um em cada mão, daqueles verdadeiros a quem sabíamos poder recorrer em qualquer instante. Hoje sou menos ortodoxo, acho que nos fazem mais falta os amigos com vida do que os amigos para a vida. Ainda assim é essencial ter uns quantos que sejam profundos e que nos conheçam no íntimo. Também é necessário termos referências porque à medida que crescemos vamos decifrando com outra capacidade tudo aquilo que nos foram transmitindo sobre os factos da vida, mesmo quando já não estão cá para os consultarmos. Aí entra em jogo o factor memória e a importância do passado que é essencial ter bem arrumado, para vivermos plenamente o presente. Depois, existem as imagens mentalmente fotografadas sem as quais a capacidade de sonhar seria impossível. Para as acumularmos há que viajar, conhecer gente e distinguir com inteligência o importante, do interessante que muitas vezes se confundem. Nisto pesam diferentes perspectivas, de género, de idade e de motivações. Para mim os desafios são relevantes, mas não tem que ser assim para toda a gente. Traçar objectivos muito pensados e regrados pode ser negativo, porque ainda que nos ajudem a definir um rumo retiram a capacidade de nos deixarmos levar quando muitas vezes não há coisa melhor. Sabermos mudar é imprescindível. No recheio das sensações é bom conservarmos umas quantas palavras, músicas, filmes e lugares que temos como especiais, ainda para mais sabendo que provavelmente também o são para mais uns quantos milhões. A felicidade também passa por isso, pela sabedoria de saber partilhar as coisas que tomamos como univocamente nossas. E aqui chegamos à magia do infinito que mesmo sem compreendermos podemos pretender tomar como seguro e sobre o qual cada um pode fazer, sim, a sua interpretação exclusiva. Não devemos é deixar de o aceitar, sem medos. Sem medo, é também o moto de quem quer alcançar algo muito difícil: saber amar. Amar à séria é uma hipérbole bastante irracional e implica acreditar. Implica também, claramente ou obviamente, encontrar o sujeito perfeito, pelo menos aos nossos olhos e não o confundir com um objecto. Filtrando o óbvio, os objectos servem para gostar, são giros, ficam bem ali, transmitem-nos uma sensação de conforto, são agradáveis cheios de design ou cores bonitas. Os sujeitos perfeitos encaixam em nós, movem-se ao ritmo que julgamos ser o nosso, são animados e gostamos da forma como o fazem, sem paralelo. Para se chegar lá, há que esperar, encontrar e conseguir, o absolutamente inexplicável: reciprocidade. E então, chega-se ao mais fácil, porque é só isso que o cupido espera: entusiasmo aos molhos.

Wednesday, August 24, 2011

em modo destrutivo... (alter ego, só porque me apetece)

Enquanto atravessavam o rio ela olhou-o e apaixonou-se mais uma vez com a incerteza de se seria de vez. Naquela noite, a caminho do Bairro, percorreram a Baixa de mãos dadas e quando chegaram ao Rossio ela quis mergulhá-las, juntas, na água da fonte com o simbolismo de que era para sempre. Ele hesitou... Ela pensou: desta vez é que é. Ele pensou no verdume que se sobrepunha à pedra branca. Ela passou-lhe a mão pelo rosto. Ele desejou que fosse a outra. Ela magicou: é a ti que quero... Ele afastou-se, escorregou e partiu o braço. Ela caminhou com ele até São José para o curativo. Ele deixou-se enrolar com o gesso, pensando na sujidade que ia acumular por debaixo do pó branco. Ela insistiu em inscrever-lhe um coração no pano limpo. Ele estimou quantas horas faltavam para o próximo cacilheiro... duas ou três.

Tuesday, August 23, 2011

nós

Temos esta tendência irracional para inventarmos nós. Nós na garganta, nós no peito, nós no estômago, nós em todos os lados. Nós somos complicados e quando já devíamos pensar diferente arranjamos cordel para embaraçar quando o que queríamos mesmo era abraçar. Deixamo-nos enrolar quando devíamos saber melhor, pressentir, saber o que aí vem, com segurança e sem medo, com paixão e convicção. Nós, robustos.

Monday, August 22, 2011

reminiscências do filósofo

Conheci um filósofo na minha vida. Um filósofo daqueles que se dedicava a pensar à séria, a escrever ensaios sobre a vida e a causa das coisas. Vivia no Algarve e deslocava-se a Lisboa de tempos em tempos para sessões e palestras. Vivia sob o patrocínio da Gulbenkian e tinha nome de vegetal mas o neurónio dele não vegetava. Não deixava que eu o tratasse por doutor, por isso eu tratava-o por senhor. Em pequeno, quando o visitava lá no sul, sentava-me no seu colo numa cadeira de baloiço e explicava-me coisas que eu não compreendia muito. Era o meu filósofo de serviço a baloiçar-me enquanto contemplávamos uma figueira com a copa bem aberta e ele dissertava para mim. Depois – lembro-me bem desta cena –, eu pedia-lhe um figo que ele abria cuidadosamente com as mãos grandes mas muito delicadas de quem escrevia em papel com marca d’água – que aliás fazia as minhas delícias quando me deixava descobrir a espécie de escudo com um lápis bem afiado. O senhor filósofo já nos deixou há muitos anos mas a viúva dele envia-me sempre um par de peúgas caneladas pelo Natal e telefona-me nos aniversários.

Sunday, August 21, 2011

130 mil no prolongamento...

Há 20 anos atrás (estou a ficar tão velho...) éramos 130 mil representativos de uma juventude cheia de esperança, um bocadinho fundamentalista e com o futuro tomado por certo. Uma geração imbuída de espírito de graça e carregada dos primeiros valores fúteis do pós-modernismo. “Baby boomers”, Generation X e com roupas de marca. Crescidos antes dos efeitos da globalização e do aquecimento global. Precoces nos sentimentos, sem acesso a mais do que 2 canais de televisão e habituados ao conforto dos milhões que vinham da CEE. Vibrámos com o sucesso dos da nossa geração e saímos para a rua em festejo, antes da mariquice consumista das bandeiras nacionais pespegadas nas varandas. Éramos, fomos, felizes num breve período de tempo em que os telemóveis ainda não eram propriamente portáteis e os carros que herdávamos não tinham direcção assistida nem ar condicionado. Por isso, as saídas para a praia faziam-se de janelas abertas a comer poeira, e as saídas à noite concentravam-se no Bananas ao som foleiro do Phil Collins. À porta, os mais rebeldes tinham DTs e outros entretinham-se em cenas de pancadaria fratricida. Naquela noite não, saímos do estádio em correria alegre a comemorar sem pensar no Marquês como ponto de concentração (naquela altura, aquilo era mais a Rotunda!). Entre a multidão, lembro-me de ter encontrado 20 amigos de quem hoje só sei novidades através do facebook, uma ex-namorada às cavalitas do actual marido e o Eusébio muito perfumado ao pé do Fonte Nova, a quem apertei a mão com emoção. Hoje, por terras do adversário, estamos no prolongamento...

Friday, August 19, 2011

2ª vez

Contrary to love, good movies never satisfy you the 2nd time around. Rewatching “Palermo Shooting” (with Giovanna Mezzogiorno), while tasting a new kind of mint & chocolate chip ice-cream.

Love is wonderful, the second time around
Just as wonderful, with both feet on the ground
It's that second time you hear your love song sung
Makes you think perhaps that love, like youth, is wasted, is wasted on the young

Love's more comfortable the second time you fall
Like a friendly home the second time you call
Who can say, what wrought us to this miracle we've found

There are those who'd bet
Love comes but once - and yet
I'm oh so glad we met
The second time around


Rickie Lee Jones - The Second Time Around

Thursday, August 18, 2011

sensações a 37.000 pés, sem nuvens e em classe executiva

Abro a janela. A 37.000 pés vejo o reflexo da lua sobre o Volga e os seus afluentes. Imagino o formato da Crimeia, vislumbrado através do vidro numa noite pacata como esta região conheceu poucas. Passamos ao largo de Baku e vejo o Cáspio como o grande lago que é. Tu mexeste-te e eu ocupo-me de ti (gosto tanto deste meu verbo quase novo: “ocupar-me de ti” – gosto que ocupe a minha vida, traz-lhe um significado bom), passo-te a mão pelo rosto e faço-te festinhas dedicadas pelo corpo todo, enquanto te ofereço o “tapa-olhos” exclusivo, com carinho.

Monday, August 15, 2011

Al di là delle nuvole (Par-delà les nuages)

Só por causa deste filme já forcei um desvio até Ferrara que é uma piccola e bellissima città.
Gosto particularmente da primeira história que parece quase infantil mas está repleta de frases deliciosas:

“Io sono bloccata qui nella nebbia.”

“Voci non diventano mai parte di te, come il rumori. Il mare, per esempio. Si finisce per non sentire. Ma una voce, una voce non si può fare ascoltando.”

“- Vogliamo sempre di vivere in immaginazione di qualcuno.
- Forse è il segreto dell innamoramento e tutto ok.”

“Le parole anche se scritte fanno bene... una donna le aspetta, le aspetta sempre!”

a minha receita

Há uns dias atrás, contigo nos meus braços, vi(mos) um programa em que a “deliciosa” Miss Dahl apresentava a receita para os dias de melancolia em múltiplos e muito elaborados pratos cheios de açúcar, demasiada gordura galinácea e horas de água fervida dedicadas à causa culinária, entremeadas por poesia.
Hoje, no meu exclusivo domingo melancólico, quase consegui emular a tipa, depois de demasiadas braçadas no tanque de cloro (até ficar com os dedos engelhados), preparei uma bem temperada salada (pré-lavada, sou adepto), tagliatelli “al dente” com um fio de azeite (português) e uma frigideira com quatro bombons de filet mignon devidamente cobertos de alho seleccionado e bem cortado (sobraram-me os dedos todos). Conclusão: esparramei-me no sofá a rever o “Par-delà les nuages” sem outro sentimento para além da sensação empanturrado.

Sunday, August 14, 2011

o email

Recebo um email que me põe a pensar e, finalmente, me faz chorar. Faz-me bem, estava a precisar. Leio-o com carinho e com cuidado, entrevendo as linhas e interpretando as entrelinhas. Estão a ficar velhotes com as almas mais sensíveis. Perguntam-me por mim, com o dom da preocupação que só lhes cabe a eles. Deixam-me melancólico e profundo como não me sentia há muito. A pensar na vida e no que realmente quero com ela. Faz-me bem. Quero o mundo.

massas

As massas não são spaghetti mas fervem como noodles numa malga de água quente. As massas assustam pelos movimentos condimentados sem deixaram borbulhar as vontades. As massas demasiado fervidas formam uma embrulhada impossível de saborear. As massas mal cozinhadas parecem papas sem sabor. As massas querem-se “al dente”, controladas e com uma pitada de pimenta. No ponto certo as massas também podem ser agradáveis com um fio de azeite selecto para temperar. As massas que não se manifestam são um rastilho pronto a incendiar.


Friday, August 12, 2011

Wunderkind – about a boy

Quando tinha uns 8 anos de idade foi cobaia de um grupo de psicólogos que se deslocaram lá à escola para detectarem traços de genialidade entre as crianças da geração. Era bom aluno, mesmo com a qualificação de “sempre distraído” que teimava em aparecer-lhe nas cadernetas escolares. Foi por isso escolhido e sujeito a uma série de testes que envolviam histórias bem engendradas e a selecção de personagens recortados em pedaços de papel. Depois mostraram-lhe cartolinas com objectos pintados dos reinos animal, vegetal e inanimado, descobrindo que cada vez que lhe mostravam um cogumelo o associava a morango, que cada vez que lhe mostravam um morango o associava a cogumelo, da mesma forma que quando lhe mostraram uma girafa decidiu (conscientemente) chamar-lhe gaivota, e vice-versa (também conscientemente), e mais um confundir qualquer com objectos inanimados com que os decidiu presentear.
Subliminarmente, lá concluíram em colégio que se tratava de um génio, quiçá por causa da dislexia cerebral perante os cartões pintados dos vários reinos. Na realidade só confundia os morangos com cogumelos, embora mais tarde tenha descoberto que também era capaz de confundir reinos diferentes pedindo uma pizza de alcaparras quando o que eu queria mesma eram anchovas – de génio, mesmo...

Thursday, August 11, 2011

Especiarias | espécie de ensaio #1

Ele era realmente capaz de apreciar o complexo como quem degusta, com intensidade, o sabor da pele exposta ao sol e aos aromas de um vento fresco vindo do lado do mar, num verão incaracterístico. Quando alcançava momentos de verdadeira paz de espírito, escrevia-lhe cartas de amor realçado pela sensação afrodisíaca da humidade da monção. Então, dedicava-lhe palavras próprias sentindo-se apaixonado por tudo o que ela lhe permitira descobrir sobre a vida e concluía-se feliz por terem chegado àquele estado. Ele era, definitivamente, arrogante mas também um estóico, perfeito à sua maneira. A idade havia-lhe ensinado que nem sempre a razão estaria do seu lado mas que os caminhos trilhados não significavam apenas um passado, contribuindo também para a certeza das decisões que viriam depois. Assim as confirmações tornavam-se relativas e a confiança ganhava uma energia influenciada pelos astros de que ela afirmava gostar. Foi por isso que persistiram em percorrer o mundo, cada vez mais próximos, encontrando-se em beijos bem carregados nas manhãs em que acordavam juntos.

Wednesday, August 10, 2011

o moreno

Porque será que insistem em dizer-me que estou moreno? Se sabem que vivo entre dois hemisférios e se num deles é quase sempre tempo de praia, para quê revelarem-me o tom da pele? Já sei que estou moreno. Foi da praia pá, mesmo se me pus à sombra. Sempre é melhor que branquelas...


Tuesday, August 9, 2011

helicópteros

Os helicópteros despertam-me da vontade de dormir. Sinto-me quente e cansado das demasiadas viagens que já fiz este ano. Voar a muitos pés de altitude não é natural e o meu corpo não se adapta. Gosto das nuvens vistas de cima, gosto da proximidade ao espaço sideral mas não gosto da sensação da descompressão em formato enlatado. Sinto-me sempre enlatado, como se fosse uma conserva, dentro de um avião.

a miúda dos lacinhos

Conhecida internacionalmente a miúda dos lacinhos deixa-os bem aprontados por onde passa, encantando quem os descobre. São lacinhos que prepara com uma gargalhada marota – enquanto me olha nos olhos – e que oferece a quem os recebe com um sorriso. A miúda e os lacinhos dela são únicos.

o fim da picada

Acho que fui picado por uma abelha – disse-lhe baixinho, enquanto usava a parte metálica de um isqueiro exposta ao sol para tentar remover o ferrão. Ela não o ouviu ou não lhe fez caso.
Naquela noite dormiu incomodado pela ponta do dedo inchada mas deu-lhe a mão às primeiras horas da madrugada, utilizando a sensação de calor para aconchegar os dedos dela.
Horas depois sob efeito da altitude sentiu crescer o inchaço e deu por si a chuchar no dedo. Feio!