Ele tinha um ar de aristocrata que me fascinava quando eu era miúdo. A barba usada de quem já havia percorrido muito do mundo. Gostava particularmente quando me entretinha com as suas aventuras nas caçadas, deliciando-me com as imagens contadas das perseguições na savana africana, fazendo-me rir com as historietas e descrições dos serões passados à volta de uma fogueira, com as tendas no meio do mato expostas à simplicidade dos elementos. Eu gostava de o ouvir a imitar os sons da bicharada que lhe atormentavam o sono, naquelas noites sem enfeites. Um dia, quando eu era já um pouco mais crescido e ele há já muito abandonara o hábito da caça, tanto em África como no Alentejo, contou-me, em pormenor, a sensação mais estranha que experimentara, por várias vezes, quando apontava a espingarda a pequenos quadrúpedes, gazelas, impalas ou veados, e estes, apercebendo-se da sua presença, o olhavam nos olhos, fitando-o com tamanha profundidade que ele se arrependia sempre do que faria em seguida – a sensação de que aqueles pequenos seres lhe atingiam a alma, antes de ele lhes atingir a vida. E eu, lembro-me agora, fiquei muito triste a recordar os olhos chorosos do pequeno Bambi.
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