Acordou sobressaltado de um sonho confuso em que encontrava um seu amigo confessamente homossexual deitado na cama, a abrir um livro, e a mostrar-lhe o texto para lhe perguntar se era português do Brasil ou do original.
- Português do Brasil, respondia-lhe.
O livro tinha uma capa negra e no título feito de letras amarelas, lia-se: “No Reino do Abacaxi”.
Estremunhado, virou-se para o lado e agarrou no iPad. Abriu o “Notes” e tomou nota do que se recordava. Enquanto escrevia, demasiado lentamente, sobre o teclado visual, começou a imaginar o detalhe da capa do livro, percebendo que lhe apetecia compor uma fotografia infinita com a capa preta e o título em letras amarelas repetidas sucessivas vezes até deixar de se perceber o “No Reino do Abacaxi”. Concentrou-se na interpretação de tudo o que lhe passava pelo pensamento, desde o significado do sonho até ao simbolismo do infinito perpetuado na capa do livro. Recordou-se da sensação absorvida dos espelhos que se auto-reflectem, como em criança quando se sentava na cadeira do barbeiro do bairro e observava o movimento da tesoura do Sr. João, o barbeiro, reflectido até ao infinito no espelho da frente e no espelho de trás, até deixar de se deixar ver. Fechou o iPad e encerrou as divagações.
Deviam ser umas 11 horas da manhã e pressentiu que lá fora fazia sol. Afastou o édredon para junto dos pés e levantou-se da cama devagar, ficando uns momentos sentado a respirar fundo. Abriu lentamente a persiana, num acto que sempre o fazia imaginar a perspectiva de sair para fora de uma tenda protectora do calor do deserto. Na casa de banho olhou-se no espelho, não estava demasiado despenteado mas com o cabelo muito comprido. Sorriu para si mesmo, reflectido em mais um espelho e reflectindo rapidamente sobre todas as histórias boas que a vida lhe vinha trazendo. Sentia-se maior mas não mais velho do que desde a última vez que tinha feito uma retrospectiva assim quase instantânea, e isso já tinha sido há algum tempo. Mesmo sem companhia, apetecia-lhe sair para almoçar e imediatamente escolheu o sítio onde sabia que podia observar a cidade gigante vista de cima.
Teve sorte e esperava-o a mesa perfeita, diante da janela enorme aberta para a visão do aglomerado de prédios do outro lado do rio, agora encimado por nuvens carregadas em deslocação automática rumo ao norte. Tudo mesas de pares. Imediatamente à sua direita marido e mulher, compunham um casal de meia-idade engraçado. Na segunda mesa um par de namorados com as mãos dadas sobre a mesa, mas, aparentemente, ele esquecera-se de lhe oferecer a vista, ou ela preferira voltar as costas à cidade. Na mesa da esquerda um casal de homens, ambos com os iPhones bem alinhados em mosaico com os individuais sobre a mesa. A companhia da esquerda, deixou-o a pensar no pratinho do dia, mas na realidade já sabia o que queria desde a última vez que ali estivera. Pediu os camarões marinados em chá sobre risoto de ervas e azeite. Pediu um guaraná com gelo e laranja, sem se deixar levar pela proposta “guaraná zero?” do empregado. Por um instante, ficou a pensar nas consequências “zero” e “light” da sociedade moderna, um truque de marketing engendrado por homens-loucos para convencerem os fregueses a pagar o mesmo “sem calorias”, quando na realidade, ninguém gosta de baixas calorias e todos preferimos calor.
Enquanto esperava experimentou contrapor o vinco da sua personalidade e observou cada um dos pares:
Os gays divergiam nos pedidos, um pedira um hambúrguer suculento no pão e o companheiro uma salada repleta de cogumelos. Não conversavam muito e, de vez a vez, foram consultando os iPhones como que procurando outras notícias. No final, dividiram a conta, pagando ambos com cartão, um “a débito” e o outro “a crédito”. Não chegou a grandes associações sobre as opções de pagamento.
Os do par de namorados não abriram a boca excepto para mastigarem. A meio do almoço ela estendeu-lhe o garfo à boca para ele poder provar o que lhe parecia ser salmão teryaki. Decidiu classificar e classificou que não faziam um par bonito, e agradeceu a realidade de nunca ter sentido a falta de palavras nas suas relações.
Decidiu premiar e atribuiu o prémio ao casal de meia-idade que interpretou como uma relação madura, apesar de a conversa dele discorrer sobre a aplicação que tinha no iPad para localizar o dito e o iPhone da filha, e de ela se revelar mais preocupada com a “babá” que ainda não teria chegado a casa para tomar conta das crianças.
Para além disso, saboreou os camarões num pensamento contrastante com a visão das nuvens e dos edifícios altos, recordando um outro almoço solitário à vista de St. Paul’s Cathedral, uns dez anos antes.
Finalmente, pediu a conta, recusando a sobremesa e optando pelo pagamento “a crédito” com um cartão estrangeiro que confundiu o empregado entre a escolha do chip e a banda magnética.
Saiu para o interior do complexo em formato árvore e escolheu completar as calorias com o melhor bolo de chocolate do mundo.
Era sábado no reino do abacaxi.
- Português do Brasil, respondia-lhe.
O livro tinha uma capa negra e no título feito de letras amarelas, lia-se: “No Reino do Abacaxi”.
Estremunhado, virou-se para o lado e agarrou no iPad. Abriu o “Notes” e tomou nota do que se recordava. Enquanto escrevia, demasiado lentamente, sobre o teclado visual, começou a imaginar o detalhe da capa do livro, percebendo que lhe apetecia compor uma fotografia infinita com a capa preta e o título em letras amarelas repetidas sucessivas vezes até deixar de se perceber o “No Reino do Abacaxi”. Concentrou-se na interpretação de tudo o que lhe passava pelo pensamento, desde o significado do sonho até ao simbolismo do infinito perpetuado na capa do livro. Recordou-se da sensação absorvida dos espelhos que se auto-reflectem, como em criança quando se sentava na cadeira do barbeiro do bairro e observava o movimento da tesoura do Sr. João, o barbeiro, reflectido até ao infinito no espelho da frente e no espelho de trás, até deixar de se deixar ver. Fechou o iPad e encerrou as divagações.
Deviam ser umas 11 horas da manhã e pressentiu que lá fora fazia sol. Afastou o édredon para junto dos pés e levantou-se da cama devagar, ficando uns momentos sentado a respirar fundo. Abriu lentamente a persiana, num acto que sempre o fazia imaginar a perspectiva de sair para fora de uma tenda protectora do calor do deserto. Na casa de banho olhou-se no espelho, não estava demasiado despenteado mas com o cabelo muito comprido. Sorriu para si mesmo, reflectido em mais um espelho e reflectindo rapidamente sobre todas as histórias boas que a vida lhe vinha trazendo. Sentia-se maior mas não mais velho do que desde a última vez que tinha feito uma retrospectiva assim quase instantânea, e isso já tinha sido há algum tempo. Mesmo sem companhia, apetecia-lhe sair para almoçar e imediatamente escolheu o sítio onde sabia que podia observar a cidade gigante vista de cima.
Teve sorte e esperava-o a mesa perfeita, diante da janela enorme aberta para a visão do aglomerado de prédios do outro lado do rio, agora encimado por nuvens carregadas em deslocação automática rumo ao norte. Tudo mesas de pares. Imediatamente à sua direita marido e mulher, compunham um casal de meia-idade engraçado. Na segunda mesa um par de namorados com as mãos dadas sobre a mesa, mas, aparentemente, ele esquecera-se de lhe oferecer a vista, ou ela preferira voltar as costas à cidade. Na mesa da esquerda um casal de homens, ambos com os iPhones bem alinhados em mosaico com os individuais sobre a mesa. A companhia da esquerda, deixou-o a pensar no pratinho do dia, mas na realidade já sabia o que queria desde a última vez que ali estivera. Pediu os camarões marinados em chá sobre risoto de ervas e azeite. Pediu um guaraná com gelo e laranja, sem se deixar levar pela proposta “guaraná zero?” do empregado. Por um instante, ficou a pensar nas consequências “zero” e “light” da sociedade moderna, um truque de marketing engendrado por homens-loucos para convencerem os fregueses a pagar o mesmo “sem calorias”, quando na realidade, ninguém gosta de baixas calorias e todos preferimos calor.
Enquanto esperava experimentou contrapor o vinco da sua personalidade e observou cada um dos pares:
Os gays divergiam nos pedidos, um pedira um hambúrguer suculento no pão e o companheiro uma salada repleta de cogumelos. Não conversavam muito e, de vez a vez, foram consultando os iPhones como que procurando outras notícias. No final, dividiram a conta, pagando ambos com cartão, um “a débito” e o outro “a crédito”. Não chegou a grandes associações sobre as opções de pagamento.
Os do par de namorados não abriram a boca excepto para mastigarem. A meio do almoço ela estendeu-lhe o garfo à boca para ele poder provar o que lhe parecia ser salmão teryaki. Decidiu classificar e classificou que não faziam um par bonito, e agradeceu a realidade de nunca ter sentido a falta de palavras nas suas relações.
Decidiu premiar e atribuiu o prémio ao casal de meia-idade que interpretou como uma relação madura, apesar de a conversa dele discorrer sobre a aplicação que tinha no iPad para localizar o dito e o iPhone da filha, e de ela se revelar mais preocupada com a “babá” que ainda não teria chegado a casa para tomar conta das crianças.
Para além disso, saboreou os camarões num pensamento contrastante com a visão das nuvens e dos edifícios altos, recordando um outro almoço solitário à vista de St. Paul’s Cathedral, uns dez anos antes.
Finalmente, pediu a conta, recusando a sobremesa e optando pelo pagamento “a crédito” com um cartão estrangeiro que confundiu o empregado entre a escolha do chip e a banda magnética.
Saiu para o interior do complexo em formato árvore e escolheu completar as calorias com o melhor bolo de chocolate do mundo.
Era sábado no reino do abacaxi.
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