Monday, January 30, 2012

No Reino do Abacaxi | 2

Escutava as palavras bonitas mas incompreensíveis da Bjork, a senhora da terra do gelo e do fogo, numa melodia cheia de graves e em simultâneo absorvia as legendas em inglês na tela projectada:
- I’ve written you a thousand letters.
- I didn’t get a single one.
- That’s because I didn’t post them. I wasn´t sure I would get through it. Do you understand?
- Yes, I do. Can you give them to me, now?
- I’ve left the letters behind, but not the words. The words... I’ll say them to you every morning and every night for the rest of our lives.
Gostou da sua rápida distorção do diálogo, sentindo-se egocentricamente satisfeito com a forma como era capaz de extrair o melhor dos sentimentos legendados na tela, por actores bem pagos para interpretações brutais, mas sempre aquém da realidade. Gostava da estatística que dizia que apenas dez por cento das pessoas sabiam o que era amor real e de se sentir parte da minoria maior. Muitas vezes pensava que este tipo de orgulho era o que fazia pior, o que o fazia menos bom do que os demais mortais. A confiança de se sentir, de ser capaz de sentir, assim, não era um contributo para a felicidade. Recordou a primeira vez que se sentira assim, excepcional, nas causas do amor e da paixão, quando se envolvera com uma japonesinha de nome Miuri, uma miúda de uma beleza invulgar que concorria na turma do liceu com uma mestiça chamada Bárbara que também lhe despertara algum interesse, mas apenas momentaneamente. Outros tempos, em que o fascínio pelas belezas invulgares prevalecia sobre o que no presente era a segurança de preferir tons de pele branca e olhos geneticamente redondos. De qualquer forma, havia experimentado o sabor das diferenças étnicas e, mais uma vez egocentricamente, sentia-se bem com o seu sentido do apurado. Para ele, a beleza exterior era definitivamente importante e não tinha qualquer problema em admiti-lo, mas não bastava como condição suficiente, o mais importante era uma conjugação que gostava de traduzir na forma dos movimentos das mulheres que fora capaz de amar. Classificava esta composição como “a pinta” e não era traduzível numa escala mas sim uma propriedade unívoca feita dos elementos exclusivos e proprietários de cada mulher que chegava a conhecer. Em jeito de sinfonia, implicava para ele o apetrecho de características que não podiam resultar de uma simples troca de olhares e gostava de acreditar que o amor verdadeiro começava de outra forma.
De qualquer forma, ali estava ele com um grupo de amigos numa noite acabada, num bar de um hotel de uma terra distante à sua, num reduto de observação masculina a apreciarem o círculo de belezas invulgares que dançavam ao som da música escolhida da rainha da Islândia, num formato “tecno” próprio da geração subsequente. No meio da pista “aos pulos” uma loira de olhos bonitos e cabelos alisados fixava-lhe o olhar com quatro quintos de provocação insinuante, como que a dizer “Se arriscares meter conversa comigo, posso transformar-me no que tu quiseres...”. Mas para ele, no presente, o jogo não era aquele e queria encontrar personagens realmente interessantes para a história do “No Reino do Abacaxi”.

2 comments:

O meu campo de girassóis said...

Bonito!
Uma pergunta...qual é a música da Bjork a que te referes?

Ricardo said...

Humm, não sei é ficção mas o diálogo não faz parte da canção...