O meu avô materno era muito alto e encorpado também. Tinha uns olhos do azul mais profundo que a Terra já viu, um azul que não reflectia o céu nos dias de sol mas que tomava tons de cinza nos dias de tempestade. Sentava-se numa grande poltrona, que era só dele, e ficava para ali a observar os campos de oliveiras, por entre a esquadria de madeira que compunha a janela, a olhar para a serra de Bornes à distância. Bafejado comerciante num meio rural, possuía a sagacidade do judeu, para os negócios, mas era antes de tudo um descendente dos godos, respeitado e correcto com todos. Importava nitratos do Chile que chegavam ao destino em magníficos comboios a vapor, que eu insistia em ir ver à estação, embora me assustassem ao perto. Abastado que era, para a época, e desligado das questões políticas do tempo, passava férias em família no Palace Hotel do Vidago e quando se deslocava ao Porto, a negócios, instalava-se no imponente Grande Hotel de Paris. Mesmo sendo gentio, permitiu-lhe a fortuna que casasse com minha avó, filha da “petite noblesse” transmontana. Como ficava bem naquela altura, possuía um belo relógio de bolso, encrostado numa caixa de ouro branco que polia cuidadosamente contra o colete – ele usava sempre colete – cada vez que decidia ver as horas. No próprio dia em que faleceu, a minha avó ofereceu o dito relógio ao meu primo António que, recém-entrado na adolescência e pouco mais velho do que eu, acompanhara estoicamente o meu avô na sua última viagem para o Porto, numa ambulância. Naquele dia de tristeza e legados, também eu recebi o relógio de bolso que pertencera ao meu tio-avô Daniel, homem de letras e fiel irmão de meu avô, de quem sempre ouvi o melhor, apesar de o não ter conhecido. E é essa a beleza dos relógios de bolso, que hoje já ninguém usa, repletos da vida e brilhantes do polimento pelas mãos trémulas dos nossos avós.
2 comments:
Lindo... adorei :-)
molto intiresno, grazie
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