Observou-lhe o rigor das pestanas esticadas enquanto o sol
começava a encher o quarto e ela ainda dormia profundamente. Eram com toda a
certeza as pestanas mais bonitas que conhecia e ele ficou assim, muito tempo,
semi-debruçado e apoiado no braço direito contra a almofada à espera que ela
acordasse por si mesma, sem pressa. Quando finalmente os olhos dela se abriram
e ele pôde ver-lhe as íris, primeiro a contraírem-se por causa da luz e depois
a abrirem-se com o reconhecimento de quem a observava, passou-lhe a mão
esquerda pelo rosto com ternura e disse-lhe:
- Bom dia, meu amor.
Ela, ainda meio-estremunhada, correspondeu-lhe:
- Bom dia, querido.
Ele sorriu e ela apertou-o com os dois braços envoltos no
pescoço e puxando-o para ela.
- O que queres fazer hoje?
- Namorar, muito…
- Vamos à caça dos anjos?
- Sim, e namoramos também, muito…
- O que tu quiseres, meu amor.
Ele sentia-se arrebatado e tudo o que queria eram infinitos
despertares assim, feitos dos momentos deles. Aquela era mais uma cidade, mais
um hotel e mais uma manhã de felicidade certa que ele guardaria na memória
feita de fotografias capazes de resistir ao efeito do tempo. Com ela, ganhara o
gosto à perseguição das estátuas de anjos que ela gostava de fotografar, com
uma câmara de verdade. Encontravam-nos nas praças mais sublimes das cidades a
leste, no hemisfério norte, mas também disfarçados com feições redondas das
culturas orientais enfeitando pórticos e pequenos templos nas geografias do
sul. Sabiam distinguir com exactidão as representações do Eros e do Anteros, e
deixavam-se surpreender com os detalhes encastrados em pedra ou cobertos de dourado.
Ela preferia os que encabeçavam pilares apontando ao céu e muitas vezes
ignorados pelas gentes de passagem, admirando-se com o poder de observação fixa
daqueles seres celestiais que insistiam em ver passar os mortais. Ela insistia
em arriscar o arco para se aproximar dos que se encontravam assim no meio das
rotundas, enquanto ele fazia parar o trânsito para a deixarem atravessar em
segurança. Depois, das imagens capturadas, ela pintava telas em acrílico com os
pormenores perfeitos das fotografias seleccionadas que só lhe mostrava quando
devidamente terminados.
- Está ainda melhor que o anterior – dizia-lhe ele,
com a sinceridade de quem realmente apreciava aquela paixão invulgar dela. Não
sabia, ainda, que também ele seria capaz de cair do céu por causa dela.
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