Compôs o diálogo enquanto secava a loiça, deixando-se
transportar pelos movimentos do pano para uma peça que não era a sua:
Ele - Sabes, isto ameaça tornar-se insuportável.
Ela - Insuportável? Porquê? Tu
já sabias o que aí vinha …
Ele - Sim, mas nunca pensei que ia sofrer assim. Sem um
plano, sem uma perspectiva, sem um futuro desenhado para me alimentar a estima.
E isto dói mais, muito mais, do que eu imaginava possível há uns tempos atrás.
Então, eu pensava que seria uma fase ultrapassável, menos má do que outras
anteriores a que já sobrevivi, mas afinal é pior do que essas, sem rumo e sem
passagem para o que eu quero.
Ela - O que tu queres? Tu sabes com certeza o que queres?
Deixa de ser medricas, pareces um miúdo mimado a quem tiraram o brinquedo. Eu
não sou um brinquedo. Preciso de certezas, preciso de tantas outras coisas que
tu não me podes dar, em particular, quando assumes o papel de miúdo. Aí, eu
duvido de tudo o que me trouxe até aqui. Por isso deixa-te de lamechices e
faz-te Homem – repara no “h” maiúsculo.
Ele - Para ti é fácil, estás a
jogar em casa…
Ela - Em casa? A minha casa és tu, mas muitas vezes
parece-me que ainda tens que aprender a abrigar-me. Abrigar, proteger, dar
segurança, conforto, essas é que são as palavras importantes, decisivas. E tu
que tens tanto jeito para as palavras, ainda não chegaste lá… Cresce e aprende,
miúdo.
Ele - … (ficou sem palavras)
E foi assim que o miúdo, sem palavras, deixou a loiça bem
seca.
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