Sentia-se preguiçoso, abafado pelo sol que lhe incidia sobre
a pele, sem uma aragem para aliviar o calor e incomodado com a areia de
espessura diferente que lhe agarrava os pés prostrados para cada um dos lados
da espreguiçadeira. Deixou-se adormecer, deixando o pescoço rodar para o lado
contrário a ela e cerrando os olhos com o peso das pálpebras. Despertou passados
uns minutos, interpretados como horas, a sentir-se estranhamente frio sobre a
pele, como se estivesse na neve metido num anorak exposto ao vento. Confuso,
virou-se para o outro lado:
- Sabes, esta não é a minha praia.
- Como não? Está ótima!
- Diz-se óptima! E não, esta não é a minha praia.
- O que você quer dizer?
- Sabes quem é o Martin Amis?
- Não. Quem é?
- Ninguém em especial. Apenas um escritor famoso, daqueles
cuidadosos e capaz de escrever sobre o estado de decadência a que um ser
humano, um homem, é capaz de chegar, sem querer.
- E então? Qual é a história que você me quer contar?
- Eu? Nenhuma em particular mas talvez alguma especial. Ele
tem esta tese, que eu considero, de que um escritor a sério só se inspira em
praias voltadas para sul.
- Então? E você quer uma praia voltada a sul? Não basta
girar a espreguiçadeira na direção certa?
- Não, preciso de mais do que isso. Preciso da realidade, da
orientação certa do pólo.
- Acho que você tomou muito sol, está a precisar de ir na
água. Vai lá, enquanto eu vou buscar um chopp.
- Não quero água. Para me entender: viu o filme “Closer”?
- Não sei qual é.
- Um com o Jude Law, a Natalie Portman e a Julia Roberts.
- Ah, sim, sei. O que tem?
- É uma história muito próxima às do Amis, muito
característica dos estados a que um homem é capaz de chegar. Eu não gosto desse
tipo de personagens, marcados por uma espécie de desespero que não traz vida
com possibilidades de futuro. Eu não quero esses personagens no meu romance.
- Não quer, não escreva sobre eles. Quer saber o que eu
acho?
- Claro, diz-me.
- Eu acho que você está preso porque quer. Sabe, esse seu
problema de não ser capaz de chorar é porque a sua alma ainda não reconheceu a
perda.
- …
Ao ouvir aquelas palavras, ele fixou-a, registando o
corpo bonito e pouco escondido pelo biquíni, e a beleza burra da juventude.
Depois, sentou-se, sacudiu a areia estranha colada nos pés e nos tornozelos e foi
dar um mergulho, imaginando a segurança de recuperar o que queria.
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