Wednesday, February 1, 2012

No Reino do Abacaxi | 4

- É claro que faz mal, ao contrário do que tu possas pretender, nada será como antes, foi isso o que aconteceu comigo, tu percebes? Devias, ou então não devias ter tomado essas altitudes... atitudes, estragaste tudo!
Ouvia-lhe a voz em discurso directo e a confusão das altitudes com atitudes conseguiu despertá-lo sem a noção completa do espaço em que se encontrava, perdido. Ficou dois minutos já com os olhos muito abertos a pretenderem encontrar luz no limite da penumbra e a estabelecer se teria realmente apertado o botão do “send”. Confirmou, mentalmente, que não. Que não, e que não. Em seguida, meio-acordado e a sentir a respiração, deixou-se levar pelas recordações pretensamente passadas:
Com ela, naquele período das suas vidas, tinha encontrado uma espécie de felicidade muito segura. Passavam muito tempo juntos e ambos faziam por isso. Ele saía cedo mas sempre com vontade de regressar, para ela. Os dias eram brancos e apenas entrecortados com os sorrisos induzidos pelas mensagens trocadas. Os finais dos dias eram perfeitos, nos dias de frio passados no sofá de casa com carinhos distribuídos entre os dois, nos dias quentes em encontros combinados numa qualquer esplanada da cidade ou simplesmente no pequeno terraço que tinham composto os dois, para uma espécie de refúgio confortável. Ele cozinhava para ela, pratos quase requintados à base de camarões e de vieiras, cuidadosamente temperados, enquanto ela, irrequieta, não era capaz de se deixar ficar simplesmente a observá-lo desfrutar da arte em que o havia iniciado. Para ela, ele escolhia sempre um bom vinho de castas maiores, sabendo que ambos iam apreciar a complexidade de um tinto partilhado. Com o chegar das horas tardias, aninhavam-se um no outro, completando as noites com amor desejado pela simples proximidade dos corpos. Depois, muitas vezes, ficavam a conversar pela noite dentro, investindo as horas de sono no encaixar dos pensamentos, até os olhos fraquejarem, e então afastavam-se o suficiente para deixarem a mão na mão, ou as pernas abraçadas num contacto próximo dos sonhos. Outras vezes, saiam para os programas curtos dos amigos dele ou para as noites divertidas dos amigos dela, e ela dançava, e ele adorava vê-la pular ao ponto de esquecer o chumbo dos pés. Invariavelmente, acordavam para uma despedida de “até já, meu amor” com uma festinha prolongada no corpo e um beijo de “quero-te tanto, mais do que julguei possível” ou para mais um despertar de completitude pós-ronha prefixo às tigelas do pequeno-almoço servido na cama. Os fins-de-semana com sol pressupunham direcção praia, com ela sempre fantástica num fato-de-banho giro e ele tranquilamente moreno mesmo à sombra de um chapéu-de-sol. As folgas dos dias encobertos, um prolongar da ronha e caminhadas sob a copa das árvores ou passeios de mãos-dadas pelas ruas chiques da cidade. As férias faziam-se no campo de que ela gostava e a que ele se habituava, ou nas cidades que ele preferia e onde ela perseguia estátuas de anjos para fotografar, sem saber que a melhor objectiva se fixaria na memória dele.
Afinal, eram mais felizes do que julgavam no prolongamento do tempo e ele acordou, desta vez a sério, a sentir-se simples mas cheio do que lhe faltava.

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